Uma rotina produtiva
Os anos de 2010 e 2011 foram, prá mim, anos “diferentes”. Já não mais trabalhava em empresas corporativas, com horários loucos, metas muitas vezes inatingíveis e ausência de tempo para comer. Minha vida seguia outro rumo, embora com continuidade de trabalho, mas de forma diferente. Meus horários passaram a ser controlados por “demandas estanques” e, dessa forma, mudei meu curso para manter-me na ativa, com cabeça pensante e corpo saudável. As mudanças em sí nunca me incomodaram, já que a minha vida foi circundada por elas sempre. E quando digo sempre, é sempre!
Pois bem, nesse período decidí que faria alguma coisa por mim, já que até então, muito embora satisfeita com a minha carreira profissional, faltava tempo para toda e qualquer atividade que não fosse trabalho, minha vida afetiva, um pouco de lazer e as minhas vindas para Santo Antônio para ficar com a mãe.
De súbito inscreví-me no Ateliê da Prefeitura de Porto Alegre e iniciei minhas aulas de desenho com grande entusiasmo. Ao mesmo tempo, como sempre gostei de escrever, comecei a participar de Oficinas Literárias. Todas, sem exceção, muito proveitosas. A última, justamente a última, foi a que proporcionou-me o que eu nunca tive: tempo prá mim, extendido por algumas “pegadinhas” que eu planejava antecipadamente todas as semanas.
A Oficina era ministrada pelo Mario Pirata na Casa de Cultura Mario Quintana. Iniciava às dezenove horas. Eis aí a razão desta crônica: nas terças-feiras, lá pelas quinze horas eu me arrumava e saia à pé até o Bairro Moinhos de Vento (residia na Auxiliadora), passava numa loja, pequena e bem montada, para ver as novidades, pegava uma lotação até o centro e descia faceira na Praça Dom Feliciano. Alí eu começava a minha rotina-semanal-e-peregrinação-pré-Oficina. Visitava os atacados da Senhor dos Passos para comprar bugigangas para os meus trabalhos manuais, fazia a volta e rumava ao Mercado Público. Lá me deliciava com as iguarias e com o seu cheiro. Sim! O Mercado Público tem um cheiro próprio. De lá, a passos lentos, caminhava até um café na Rua dos Andradas, onde sentava, abria um jornal, rabiscava uma poesia e olhava por um longo corredor as pessoas passando. Alí eu ficava por quase uma hora, “imaginando” a vida daquelas pessoas. Como elas estariam? Por que corriam tanto? Quais eram os seus planos? Entre um gole e outro de café eu me sentia “dona do meu mundo”, uma mulher com tempo para sentar e refletir, questionar e, quem sabe, até chorar.
Por incrível que pareça, o meu lugar era sempre o mesmo, na mesma mesa, sentada na cadeira voltada para o corredor. O café não mudava de sabor e a garçonete já me cumprimentava como se dissesse: “boa tarde cliente das terças-feiras!”. Alí, justamente alí eu comecei a pensar que o mundo tinha outra dimensão, que o enredo da minha vida era tecido por mim justamente naquela rotina inventada que me fazia feliz. Talvez tenham sido esses os meus dois anos dourados em termos de introspecção e amor aos pequenos e produtivos momentos. Uma rotina que rendeu bons frutos, capitaneou algumas metáforas para as minhas poesias e fez-me perceber que as pessoas correm tanto quanto eu. Tudo isso graças ao corredor, de onde eu as avistava fazendo as mesmas coisas que sempre fiz. Naquele corredor eu enxergava, grafitada, a frase: “só não corre quem não vive ...”
(crônica publicada no livro PROSA NA VARANDA II - lançamento em 24/07/2014)