“Perdemos um tesouro” (Ariano Suassuna)
“Chicó: É verdade, o cachorro morreu. Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre”.
“Bispo: Testamento do cachorro?
Padre, animando-se: Sim, o cachorro tinha um testamento. Maluquice de sua dona. Deixou três contos de réis para o sacristão, quatro para a paróquia e seis para a diocese.
Bispo: É por isso que eu vivo dizendo que os animais também são criaturas de Deus. Que animal interessante! Que sentimento nobre!”
Pois bem, como diria o imortal Ariano Suassuna, aí em cima transcrevi dois pequenos trechos do Auto da Compadecida, do nosso Suassuna.
Esta foi a maneira que encontrei de homenagear um autêntico brasileiro, que amou sua terra e de uma imensa humanidade.
Era um homem simples, gênio e extremamente cativante. Um contador das estórias de nosso Nordeste. Sim, penso que ao lembrarmos deste brasileiro, fazemos com que ele não morra nunca. Apesar da inexorável morte, ele dizia que tínhamos duas armas para enfrentar a dureza da vida: o bom humor e a arte.
Em suas palestras, onde até recitava longos poemas, com uma memória prodigiosa(brincando, dizia que tinha memória de cachorro vingativo), pedia aos brasileiros que não sofressem uma lavagem cerebral, pensando que tudo nosso era ruim e só o estrangeiro é que prestava. Aqui no Recanto, sempre defendi o Brasil e sinto-me orgulhoso desta pequenina afinidade que tenho com o mestre Suassuna. Vou fazer uma rápida digressão, não resisto. O Nelson Rodrigues, que também amava o Brasil, falava com suas cabras vadias em um imaginário terreno baldio. Pois bem, soube hoje que o Suassuna tinha um bode. E para não perder sua brasilidade, o bode se chamava Somebode.
Amava a vida e não concordava com Camus que dizia que o único problema filosófico sério a ser discutido seria o suicídio. Para o Suassuna o grande problema a ser discutido é o sofrimento humano.
Suassuna não sentia a tal angústia dos existencialistas, ele era um realista esperançoso, como costumava dizer.
Em uma noite de autógrafos ele penou para escrever nomes ingleses de leitores brasileiros. Pedia tanto para soletrar esses nomes com tanta letra w, k e h, que quando chegou a vez de um rapaz, esse foi logo dizendo: - “ Meu nome é Hugo, com h, u, g e o”
Pois bem (termo muito usado pelo paraibano Suassuna), não entrarei mais nas minhas costumeiras digressões, para não perder o fio da meada e por falta de talento. Encerro com a frase do título do texto, que é de autoria do escritor Veríssimo(escreveu hoje sobre a perda do Suassuna). No entanto, antes de terminar, não posso deixar de dizer que há pessoas que morrem menos, ou por outra, não morrem nunca. Para mim, o grandioso Suassuna vai custar a morrer...
Ah, pra não esquecer jamais: “Perdemos um tesouro”.