Ali estava ele, demitido

Infelizmente, o seu serviço será descontinuado (descontinuado ou desprosseguido, ele não lembra exatamente qual foi o termo que utilizaram). Em bom português, significava que estava demitido. No fundo ele já esperava que isso acontecesse, tanto que não esboçou a menor surpresa. A verdade é que há muito tempo vinham sinalizando com a possibilidade de um corte de pessoal e acabou que ele foi um dos escolhidos – que se há de fazer? Agora é pegar as suas coisas, esvaziar as gavetas e começar a mandar currículos.

O que virá será melhor do que este, tentava se consolar. De fato, seu emprego não era dos melhores e ele próprio não se sentia satisfeito por lá. Mas era um emprego, alguma coisa que dava dinheiro a cada começo do mês, e também nunca havia aparecido nada melhor, de modo que ele foi ficando, foi ficando... E ficou por anos – sempre insatisfeito com o que fazia.

Enquanto recolhia os seus papéis, ele pensava no futuro que haviam lhe predito na faculdade. Você será um dos nossos melhores profissionais, diziam. O cara que todos vão dizer “eu estudei com ele”. E, realmente, ele havia feito por merecer tantas expectativas. Pois não era ele o melhor aluno da sala, aquele que tirava de letra os trabalhos mais difíceis? Não havia ele feito uma monografia tão exemplar que a banca examinadora nem discutiu a nota (fatalmente um 10), mas sim o futuro que melhor lhe cabia? E, no entanto, passados alguns anos, ali estava ele, demitido de um emprego medíocre e sem muitas perspectivas de encontrar um melhor.

Preciso de contatos, pensou. Alguém que me avalie não pelo que eu sei fazer, mas por quem eu conheço. Era este o jogo, assim que as coisas funcionavam. É preciso jogá-lo por 35 anos, depois vem a aposentadoria e, com ela, todo o tempo do mundo para fazer aquilo que sempre quis fazer. Assim pensava quando entregou a chave e o seu cartão de entrada. Outra vez se lembrou: “Você será um dos nossos melhores profissionais”. Deu uma risadinha, e saiu.