Ser Maquinista
Estou escrevendo esta modesta crônica para o meu querido amigo Senhor João, a quem aprendi a admirar como médium espírita e como um ser humano a serviço dos mais humildes e necessitados.
Lembro-me com emoção da minha passagem nesta vida, como maquinista, pois foi através dela que eu tive a oportunidade de servir a ferrovia (a Cia Mogiana de Estradas de Ferro) com muito amor, dedicação e carinho. Também essa passagem ajudou a me transformar num ser humano de larga visão quanto ao que eu poderia fazer de bem aos muito menos favorecidos.
Desde meu início na carreira de locomotivas eu procurei, através da humildade, fazer amigos e consegui ser aceito pelos maquinistas da época, e também pelos foguistas. Nunca tive inimigos. Respeitava a todos indistintamente. Sempre seguindo os conselhos de meu Tio João Cardinalli que havia sido um maquinista respeitado e admirado, tanto no serviço quanto fora dele, pois era um grande médium espírita kardecista. Ele foi meu orientador espiritual e me preparou desde meus 15 anos para a vida espiritual.
Quanto à carreira de locomotivas, posso dizer que não é para qualquer pessoa. Tem-se que estar preparado. Temos de abrir mão, muitas e muitas vezes, de passar mais tempo com a família e servir à ferrovia. Em 30 anos na profissão, desde ajudante a foguista e a maquinista, consegui passar em casa, quando muito, três Natais e um Primeiro do ano. Em nossa folhinha não constavam feriados e dias religiosos. Porém, com tudo isso eu sempre fui muito feliz em minha profissão. Reconhecia, dentro de minhas limitações, que tinha atingido o meu objetivo: Ser considerado um foguista e maquinista respeitado da Cia Mogiana.
Eu sempre procurei, através da humildade, fazer o melhor. Procurei compreender a todos, sempre; trabalhei com os maquinistas mais rejeitados pela maioria dos foguistas (por serem, muitas vezes, de temperamentos difíceis), sempre com a mesma dedicação. Quando o escalante estava com dificuldade para encontrar um foguista para alguém difícil de conviver ele me escalava com tal maquinista e eu conseguia tirar o melhor daquele irmão, muitas vezes injustiçado pelos meus companheiros. Eu trabalhava com todos sempre me lembrando das lições que o meu Tio João me dava e assim vencia a minha etapa como ajudante ou foguista.
Como maquinista continuei com a mesma humildade, procurando entender antes de ser entendido e ao longo de 15 anos como maquinista, nunca tive problemas com meus foguistas. Certa vez, o engenheiro chefe do meu setor me chamou e disse: “Senhor Laércio, nós temos cinco ajudantes de maquinista com difícil adaptação ao serviço e gostaria de pedir ao senhor que trabalhe 10 escalas com cada um desses ajudantes. E perante o seu relatório veremos o que podemos fazer com eles. Sabemos de seu histórico como ajudante e tenho fé em que o senhor irá ajuda-los muito nesse processo de recuperação”. Ele ainda me perguntou qual a técnica que eu usaria na recuperação deles e então eu lhe disse: “Dr., eu apenas acredito no ser humano. Converso com eles de frente, me colocando à altura deles, confiando no serviço deles e dando toda a atenção aos problemas que trazem de suas casas, quando me contam”.
E assim esses cinco ajudantes de maquinista hoje estão aposentados, vivendo com suas famílias. Eu nada fiz por todos mais do que a minha obrigação. Sempre fui médium espírita e a força e a intuição de meu Tio João faziam o resto.