Conjugado

Acabou a festa. É hora de recolher os pratos sujos, os copos jogados pelo chão, os restos de comida espalhados pelos cantos e despedir-se dos últimos convidados a sair. Hora de sentar-se cansado na única parte limpa do sofá e no meio daquela verdadeira quase desordem respirar fundo. Rever o caminho, comprazendo-se dos acertos e reconhecendo os erros. Agora há muito mais a se fazer.

Enfim a copa aconteceu. E foi boa sim, a copa das copas, com ousaram dizer e nós quase não acreditamos. Agora podemos acreditar. Teve amor, festa, interação entre povos e futebol, demasiadamente futebol. A pena fica por conta do custo para bancarmos essa festa e o senão voltado para o futuro (ou o legado): e agora?

A trabalheira na verdade começou há sete curtos anos atrás, quando descobrimos que os anfitriões seríamos nós. E não era somente botar a cerveja na geladeira e contratar um bom churrasqueiro. Tinha a casa para arrumar, coisas para consertar, faxina para fazer... tanta coisa que quando os primeiros convidados chegaram ainda estávamos terminando de encerar o chão. Realmente pareceu que não daria tempo de deixar tudo em ordem. Aparentemente deu quando eles começaram a chegar, surgindo de vários lugares trazendo presentes, lembranças e compartilhando sonhos. A ficha aí ia caindo; parece sim que vai ter festa.

Nos bailes, nas festividades nem sempre sai tudo como esperando. O som que não executado, o protocolo não cumprido. Tem aquele que dá certo vexame, bebendo além da conta, falando mal dos outros. Um ou outro desentendimento aqui e ali e a inevitável bagunça que fica. Mas dessa vez grande parte da vergonha recai sobre os anfitriões. Mais não preciso dizer (talvez menos, ou devesse calar-me).

E é isso, agora acabou. Vida que segue, lembrança que fica. Se nos sentíamos inebriados mais que em êxtase com o clima existente e mesmo que alguns tivessem, legitimamente, com seus motivos e pensamentos contrários à festa, agora é hora de calcular o saldo e debatermo-nos com o choque de realidade: Brasileirão, 3-5-2, liberdade de expressão e manifestação, eleição e o preço do tomate. Hora de tirar esses assuntos da copa e da cozinha e trazer para a sala.

Quando eu era criança e chegava o período de férias sentia-me como um prisioneiro posto em liberdade: queria fazer várias coisas e todas ao mesmo tempo. Viajar e acordar tarde; jogar bola todos os dias e ficar largado no sofá; ir trabalhar com minha mãe e visitar meus primos; passear de trem e de metrô. No fim eu ficava dividido entre o vazio do crepúsculo e a vontade do porvir. E passava um tempo mal, conjugando o pior das duas partes. Bem semelhante agora, mais ainda por conta da outra festa que há de vir. Mais trabalho a se fazer, fiscalização a se intensificar. A roda não para de girar e o planeta não cessa em nos surpreender. O melhor é sonhar sem eximirmo-nos de pôr a mão na massa. Despedir-se do passado, preparando-se para o futuro. E quem sabe, nesse intervalo, conseguimos ir vivendo.

Super Bacana
Enviado por Super Bacana em 25/07/2014
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