Consertando a bicicleta

O homem – reconheço-o – está do lado de fora da sua oficina conversando com alguém. Chego montado em minha bicicleta, que anda estragada, mas não tanto que me obrigue a empurrá-la. Esta é uma bicicleta muito importante, pois com ela faço exercícios regulares – a cada seis meses – sempre que estou na casa da minha mãe. Paro diante da entrada, o homem percebe, termina o seu papo e vem ver qual é o problema com a minha magrela (ainda se fala magrela?).

Não parece nada muito sério, apenas um desajuste no eixo. E eu queria também que trocasse os pedais, porque estou andando só com uns toquinhos. O homem vai concordando, gira o pneu, em poucos segundos descobre do que se trata e leva a bicicleta para dentro da sua oficina.

Entro atrás. Sim, senhor, uma oficina de bicicleta. Nunca contei a esse homem da admiração que tenho por ele. Imagine só, consertar bicicletas em vez de ficar enfurnado em uma sala o dia todo. Não quer estabilidade, não quer passar em concurso público: quer consertar bicicletas. Vejo em cima do balcão um cartãozinho que diz “Desde 1975”. Estou distraído com esses pensamentos quando o homem me chama para a realidade e pergunta que tipo de pedal eu gostaria de colocar.

Bolas, eu não entendo de pedais. Escolho um que não quebrará tão facilmente, mas que também não servirá para um profissional. E o homem volta a trabalhar, enquanto assisto a TV. Passam notícias da Faixa de Gaza. Ele pega o gancho e começa a falar sobre o quanto aquela guerra já virou uma coisa normal. E lembra que o Brasil tem sorte de nunca ter passado por coisas assim, a não ser naquele tempo da (como chamava mesmo?) ditadura.

A lembrança leva o homem a me contar histórias do começo dos anos 60 e antes ainda (chega a falar do avô), quando morava no Norte Pioneiro do Paraná. Conclui que as coisas mudaram bastante. E devolve-me a bicicleta, diz que era só uma coisinha solta e não me cobra nada, apenas os pedais. Estou liberado para o meu exercício semestral.