Questão de Fé.
Sete Horas e trinta minutos da manhã, estou saindo de casa para ir ao trabalho e recebo uma ligação do novo pároco do bairro.
Tinha um pedido simples a fazer, mas que me soou estranho. Tão estranho que exigiu uma reflexão e uma revisão das minhas relações com a igreja durante o dia todo. Queria falar-me pessoalmente, á tarde.
Quais eram minhas ligações com a Igreja? Comecei questionar-me. Por opção de minha mãe tinha estudado em um colégio de freiras. Não lembro do meu batismo. Tinha uma leve lembrança de, aos sábados à tarde, quando ainda era um pré-adolescente, participar do catecismo. Depois disso, presenças em missas de 7º dia, algum evento que envolvia os filhos e a escola em celebração religiosa. Acho que uma ou duas vezes por falta de água na rede pública me abasteci na torneira da Igreja. Fora isso... Não casei no religioso. Não batizei um filho só na Igreja. Tenho convicção que a questão religiosa deve ser opção de cada um ao seu tempo. Não trabalhei para a Igreja, não participei em nenhum momento de suas pastorais. Será que queria me fazer algum convite?
A questão da fé cristã, católica, pressupõe um conjunto de dogmas. Verdades absolutas que não estão para serem questionadas, senão aderir, aceitar e acreditar de forma irrevogável. Os dogmas são os pilares que sustentam a instituição. Eu cresci duvidando. Pela minha prática e meu caráter não poderia me considerar católico. Precisamos ser honestos. Por outro não descrimino, senão valorizo, aquele que persiste ao seguir uma doutrina.
O que poderia querer esse novo padre comigo? O último, por conta de minha mãe, uma católica praticante, e por outros encontros, acabei conhecendo e até reconhecendo-o como um ser humano especial. Carinhosamente chamado de Frei Coleta, era carismático, bom papo, preocupado com os paroquianos... Mas esse, substituto, não o conhecia.
Minha mãe é assídua. Além das celebrações semanais, integra um grupo que constitui-se na pastoral do dízimo. Será que tinha a ver com ela? Mas, tenho outros doze irmãos, muitos deles católicos assumidos!
Passava o dia e meu exame me levava sempre para um beco sem saída.
Liguei para minha mãe e perguntei sobre o novo pároco, queria levantar a ficha dele. Nome, de onde viera, enfim...não poderia ir ter com o padre sem nenhum conhecimento. Ele representa o poder espiritual e isso não é pouco.
Lá pelas dezesseis horas, me encaminhei a secretaria da paróquia, o padre me esperava. Estacionei o carro logo em frente. Observei que aquele grupo de pessoas que sempre se acumulava próxima a bica de água da igreja, quase no final do estacionamento, não estavam lá. Era comum, alguém se abastecendo na fonte da igreja e estava deserta. Será que andaram proibindo?
Entrei, me apresentei para uma menina que me encaminhou ao padre. Pediu que aguardasse na ante sala. Transcorreu um pequeno tempo e ele veio ao meu encontro. Afável, carinhoso, lembrou de minha mãe até chegar no assunto. Era um político, polido. Falou da bica de água, sempre concorrida, que andava deserta. Havia corrido informação boca a boca que os efeitos, de cura, não eram mais o mesmo. E que a responsabilidade dessa mudança de comportamento, recaia sobre minha pessoa. Espantado quis saber o porquê. Logo eu um dois mais comuns moradores, reconhecidamente um não católico! E com as palavras mansas e firmes, disse: - Foi o senhor que lançou e alimentou dúvida, a quatro dias, no momento em que passava pela bica e alertou os fiéis de que a água era a mesma mas o padre havia mudado.
Aquela conversa havia sido desconcertante, passei o resto do dia e a noite incomodado. No dia seguinte antes de ir ao trabalho me encaminhava novamente a Igreja. Topei com o padre e dois fiéis abençoando a bica. A igreja tinha encontrado a solução. Nada mas tinha a fazer ali. Fui trabalhar.