Ouro sobre azul
Ouro sobre azul
Estamos vivendo numa das beiradas desta realidade e tudo que vemos limita-se ao que repousa na superfície. Basicamente tentamos evitar que esta realidade incline demais, porque quando a sentimos saindo de prumo o nervosismo aguça e tenta-se voltar para o que supomos ser o equilíbrio, mas que, na verdade, continua uma realidade limitada. Uma beirada.
Gaza não me sai da cabeça. Será que alguém aprende alguma coisa com isso, digo, os manda chuvas dos dois lados da cerca? Porque o que se vê hoje soa como o acúmulo da soberba, do orgulho desmedido, a ambição desvairada, o exibicionismo, a presunção irascível, a negação em assumir os erros e aprender a partir dos mesmos, a complacência preguiçosa, essas e muito mais - são as variantes de doenças cultivadas que tão frequentemente acometem movimentos e indivíduos. Mas no prato do dia e a despeito do intrincado cardápio, com tantas raízes e igarapés espalhados pela História, o que salta à vista está na máxima, (aliás válida também para os psicopatas do Boko Haram, Hezbollah, Isis, etc.): há algo muito mais apaixonante do que matar - deixar viver.
Quanto ao discernimento das lições, lembremos que os inteligentes aprendem com seus erros e os sábios, com os erros dos outros.
Há dois mil anos um cidadão romano passeava pelo império de mãos nos bolsos e assoviando, sabedor de que ninguém tocaria num único fio de seu cabelo pois a resposta seria avassaladora. Por acaso estão achando que essa filosofia ainda está no prazo de validade?
É velha conhecida a definição da "Faixa": uma prisão a céu aberto... Quando se anda por lá, testemunhos dizem que o que mais impressiona não é a superpopulação e a pobreza, mas a inércia. Autoridades Palestinas pagam 2.000 dólares às famílias dos “mártires”. Os “mártires” tiram o pão da boca dos que querem trabalhar em Israel em empregos regulares. Ocorre que quando há ataques, Israel fecha a fronteira e quem ia lá a trabalho, fica impedido. Quando a fronteira está aberta, 19.000 palestinos/dia passam pela barreira de Erez para trabalhar em Israel. Entrar e sair do assentamento israelense de Kfar Daron exige escolta militar. Entre os anos de 2.003 /2.006 caíram no citado assentamento cerca de 500 morteiros. Em Gaza existem 7.500 israelenses para quase 2 milhões de palestinos. O soldado israelense que serve nos assentamentos diz que não gosta de estar lá mas que por outro lado, ser soldado é o dever mais sagrado para um israelense.
Bom, tudo isso estava na beirada da realidade até alguns dias atrás. Agora é que são elas.
A configuração da "Faixa" é dantesca. Além de ter sua fronteira fortemente controlada, artigos do dia a dia são racionados, ou no mínimo escassos, sobretudo em épocas de conflitos. Ou seja... Quase 50% da população tem de 0 a 14 anos. Portanto, é plausível dizer que a grande maioria dos habitantes dessa região nasceu e cresceu numa guerra. Jogando no lixo o português e exaltando a indignação: eita herança filha da puta, essa.
Quebrando todos os ovos - desde a fundação do Estado de Israel, três anos após uma das maiores vergonhas da humanidade, o Holocausto, somando a isso a saga para se firmar numa região hostil, e digerindo a duras penas essa omelete repleta de tragédias pontuais, fica, nesse instante, impossível não se indignar com as reações chocantes e completamente sem noção de um poderoso exército, reações estas que obviamente irão ampliar o ódio, para se dizer o mínimo.
Justo o que não precisamos está vindo à tona nesses dias. E assim voltamos a realidade limitada, muito sólida, muito vívida de certo modo, mas também muito, muito isolada. Isolada não só das coisas de outras dimensões que acontecem ao redor, mas isolada de nós mesmos.
O avião que os russos derrubaram - com uma tacada conseguiram matar mais gente do que essa temporada em Gaza. Por enquanto.... Ou o tal recém formado Califado de Mierda, que neste instante está mutilando mulheres. Ou a sobrevivente que hoje apareceu na TV, condenada à morte por uma opção religiosa.
A despeito de tudo isso, uma parte nossa sabe que há toda uma sinfonia sendo tocada. Existe muito mais. O equivalente da vida se traduz em dinâmica e diversidade. Só assim podemos expandir, expandir pelo menos pra onde seja possível ouvir os outros instrumentos da orquestra, aqueles que tocam ouro sobre azul.
(Francesco del Cossa, signo de Áries / Março / Alegoria da Primavera, 1470. Detalhe de um afresco do Palazzo Schifanoia, Ferrara, Itália)
Ouro sobre azul
Estamos vivendo numa das beiradas desta realidade e tudo que vemos limita-se ao que repousa na superfície. Basicamente tentamos evitar que esta realidade incline demais, porque quando a sentimos saindo de prumo o nervosismo aguça e tenta-se voltar para o que supomos ser o equilíbrio, mas que, na verdade, continua uma realidade limitada. Uma beirada.
Gaza não me sai da cabeça. Será que alguém aprende alguma coisa com isso, digo, os manda chuvas dos dois lados da cerca? Porque o que se vê hoje soa como o acúmulo da soberba, do orgulho desmedido, a ambição desvairada, o exibicionismo, a presunção irascível, a negação em assumir os erros e aprender a partir dos mesmos, a complacência preguiçosa, essas e muito mais - são as variantes de doenças cultivadas que tão frequentemente acometem movimentos e indivíduos. Mas no prato do dia e a despeito do intrincado cardápio, com tantas raízes e igarapés espalhados pela História, o que salta à vista está na máxima, (aliás válida também para os psicopatas do Boko Haram, Hezbollah, Isis, etc.): há algo muito mais apaixonante do que matar - deixar viver.
Quanto ao discernimento das lições, lembremos que os inteligentes aprendem com seus erros e os sábios, com os erros dos outros.
Há dois mil anos um cidadão romano passeava pelo império de mãos nos bolsos e assoviando, sabedor de que ninguém tocaria num único fio de seu cabelo pois a resposta seria avassaladora. Por acaso estão achando que essa filosofia ainda está no prazo de validade?
É velha conhecida a definição da "Faixa": uma prisão a céu aberto... Quando se anda por lá, testemunhos dizem que o que mais impressiona não é a superpopulação e a pobreza, mas a inércia. Autoridades Palestinas pagam 2.000 dólares às famílias dos “mártires”. Os “mártires” tiram o pão da boca dos que querem trabalhar em Israel em empregos regulares. Ocorre que quando há ataques, Israel fecha a fronteira e quem ia lá a trabalho, fica impedido. Quando a fronteira está aberta, 19.000 palestinos/dia passam pela barreira de Erez para trabalhar em Israel. Entrar e sair do assentamento israelense de Kfar Daron exige escolta militar. Entre os anos de 2.003 /2.006 caíram no citado assentamento cerca de 500 morteiros. Em Gaza existem 7.500 israelenses para quase 2 milhões de palestinos. O soldado israelense que serve nos assentamentos diz que não gosta de estar lá mas que por outro lado, ser soldado é o dever mais sagrado para um israelense.
Bom, tudo isso estava na beirada da realidade até alguns dias atrás. Agora é que são elas.
A configuração da "Faixa" é dantesca. Além de ter sua fronteira fortemente controlada, artigos do dia a dia são racionados, ou no mínimo escassos, sobretudo em épocas de conflitos. Ou seja... Quase 50% da população tem de 0 a 14 anos. Portanto, é plausível dizer que a grande maioria dos habitantes dessa região nasceu e cresceu numa guerra. Jogando no lixo o português e exaltando a indignação: eita herança filha da puta, essa.
Quebrando todos os ovos - desde a fundação do Estado de Israel, três anos após uma das maiores vergonhas da humanidade, o Holocausto, somando a isso a saga para se firmar numa região hostil, e digerindo a duras penas essa omelete repleta de tragédias pontuais, fica, nesse instante, impossível não se indignar com as reações chocantes e completamente sem noção de um poderoso exército, reações estas que obviamente irão ampliar o ódio, para se dizer o mínimo.
Justo o que não precisamos está vindo à tona nesses dias. E assim voltamos a realidade limitada, muito sólida, muito vívida de certo modo, mas também muito, muito isolada. Isolada não só das coisas de outras dimensões que acontecem ao redor, mas isolada de nós mesmos.
O avião que os russos derrubaram - com uma tacada conseguiram matar mais gente do que essa temporada em Gaza. Por enquanto.... Ou o tal recém formado Califado de Mierda, que neste instante está mutilando mulheres. Ou a sobrevivente que hoje apareceu na TV, condenada à morte por uma opção religiosa.
A despeito de tudo isso, uma parte nossa sabe que há toda uma sinfonia sendo tocada. Existe muito mais. O equivalente da vida se traduz em dinâmica e diversidade. Só assim podemos expandir, expandir pelo menos pra onde seja possível ouvir os outros instrumentos da orquestra, aqueles que tocam ouro sobre azul.
(Francesco del Cossa, signo de Áries / Março / Alegoria da Primavera, 1470. Detalhe de um afresco do Palazzo Schifanoia, Ferrara, Itália)