Tocava pistão e procurava um quarto

O rapaz vem ver o quartinho que está vago há algumas semanas. Leu o anúncio no jornal de domingo, que é todo classificados. Podia escolher uma casa, ao menos uma quitinete, um lugar mais espaçoso – mas, provavelmente, não tem dinheiro para tanto. Precisa desesperadamente permanecer na cidade e busca o maior conforto possível sob o menor custo. E deu sorte, porque o quartinho está bem localizado e com dez minutos de ônibus ele alcança a região central da cidade. Para ajudar, o quarto é todo mobiliado, tem inclusive fogão e forno micro-ondas. Ele parece disposto a fechar negócio, mas sabe que isso ainda depende da resposta a duas questões fundamentais.

A primeira, naturalmente, é o valor do aluguel. A maioria dos anúncios não avisa quanto cobram, certamente para não espantar os interessados, na esperança de que venham ver o imóvel e se entusiasmem com ele a tal ponto que aceitem pagar mais do que pretendiam. Mas não é o caso do rapaz, que ouve o valor e sabe que não poderá pagar.

Ainda assim, talvez para desencargo de consciência, resolve fazer a outra pergunta. Explica que é músico e quer saber se haveria algum problema em estudar – significa tocar – ali no quarto um pistão. O pistão, como se sabe, não é uma grande pista de dança, mas um instrumento de sopro muito parecido com o trompete e utilizado em bandinhas. Não é, portanto, o tipo de som mais adequado para se ouvir entre um quartinho e outro.

Haveria, haveria problema sim – haveria muito problema, os vizinhos não iriam aprovar. Ele ouve resignado, sem dúvida já ouviu a mesma coisa em muitos outros lugares. Se normalmente já não é fácil achar um cantinho confortável e barato para ficar, imagine para quem pretende usá-lo para aulas de pistão. O rapaz diz que é uma pena, tinha gostado do quartinho. E se vai, a procura de outro lugar.

Aos próximos interessados, a proprietária pensa em abrir uma concessão: vai diminuir o valor do aluguel. Mas o pistão, esse continua proibido.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 24/07/2014
Reeditado em 24/07/2014
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