DIZER NEM SEMPRE SIGNIFICA FAZER

As primeiras gotas de suor começavam a brotar e rolar, deslizando sobre a pele que tentava sorvê-las, mas sem êxito. O batimento cardíaco tentava acompanhar o compasso e o ritmo das passadas aceleradas. A respiração também tentava lhes fazer companhia. O corpo todo já estava se harmonizando perfeitamente, sendo levado pela doce melodia do bater do coração.

Os primeiros raios de sol incidiam sobre as pequenas gotículas de suor, refletindo sobre os pequenos pelos loiros dos braços uma pequena luz brilhante. Tudo isso como meio de trazer vida a um corpo que havia repousado, à noite, por umas 6 ou 7 horas.

Vez ou outra os olhos acompanhavam os movimentos pendulares dos pés, como se quisesse incentivá-los a não perder o ritmo, sem, no entanto, perder de vista o alvo. A luz do sol, amarela, reluzente e ofuscante causava alegria e excitamento. Era como se os seus raios tocassem diretamente no sistema nervoso; era como se o seus raios se esfregassem em todos os ossos do corpo. Ah! Que maravilha!

O número de pessoas que caminhavam começava a aumentar. Eram pessoas de sexo, idade, cor, estatura, físico e semblante diversos. Havia pessoas que passavam em direção contrária, para essas, em sua maioria, eu podia olhar em seus olhos, sem, no entanto, os olhos delas me notarem, talvez por profunda concentração ou até mesmo por estarem completamente desligadas do mundo, absortas em seus pensamentos e infinitas lucubrações do espírito humano.

“Bom dia!” Disse a um casal que todos os dias também fazem a sua caminhada e que sempre nos encontramos quase que no mesmo ponto e sempre em direção contrária. O esposo levantou uma de suas mãos e gesticulou-a em minha direção, ao mesmo tempo em que olhou bem nos meus olhos, deu um leve sorriso, meio que apagado, e a sua voz reverberou em meus ouvidos como que um trovão, de tão grave que era, devolvendo-me a cordialidade, dizendo: “bom dia!”. Sua esposa, no entanto, apenas olhou-me de soslaio e movimentou levemente os lábios, deixando-me sem saber se quisera falar-me algo ou apenas sorrir-me.

Passaram por mim na mesma velocidade uniforme que vinham. As suas imagens, então, foram apagadas por outra que se formava em minha frente, vindo em minha direção.

Era aproximadamente umas, pouco mais ou menos, seis e meia da manhã. O ar ainda tinha o cheiro molhado da brisa; as pequenas plantas, que teimam em sobreviver em meio aos asfaltos e às calçadas, e às gramas, de um pequeno campo de futebol que há no conjunto, ainda lançavam no ar um cheiro com sabor de mato. Nesse ínterim, as moléculas de oxigênio e de dióxido de carbono brincavam alegres e despreocupadas por entre os alvéolos e vasos capilares de meu pulmão.

Mas essa alegria e despreocupação foram interrompidas inopinadamente. Fora com se uma mão invisível segurasse e apertasse o meu pescoço na tentativa de sufocar-me. Senti-me estrangulado. E instintivamente, procurei pelo algoz que sorrateiramente invadia o meu corpo. Foi então que nessa procura, a imagem, que vinha se formando em minha frente, ganhou forma plena.

Ali estava um jovem senhor e pai. Sei disso pois ele vinha na companhia de sua filhinha, uma criança de aproximadamente 6 ou 7 ou quem sabe 8 anos.

Com uma das mãos segurava a mão da criança, que trajava um uniforme escolar e carregava uma mochila, e com a outra manipulava um cigarro aceso. Na realidade, eu já não sabia mais quem manipulava quem. Tanto o jovem senhor quanto o cigarro pareciam formar uma simbiose. A fumaça que percorria de maneira rasante a pele de seu braço parecia tentar amalgamá-lo. Ali estava um típico homem, para o qual importa mais o prazer do que o dever. Preferiu o prazer de fumar ao de ser pai.

A criança pouco lhe importava. Não se preocupava com a saúde dela nem com a formação dos hábitos futuros. Tenho certeza se o interpelasse para perguntar-lhe se minhas considerações estavam corretas, ele responder-me-ia que não, responder-me-ia que amava a sua filha e que faria de tudo para o bem dela. No entanto, sabemos nós que dizer e fazer são situações, muitas vezes, distintas.

Manoel Barreto
Enviado por Manoel Barreto em 24/07/2014
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