A Caverna
Finitamente grande, intensamente compartimentada e habitada. Possui processos complexos e ao mesmo tempo elementares. Periodicamente, executa o mecanismo de desocupação em massa, através de incidentes atmosféricos ou falhas humana: envenenamento do meio ambiente, guerras, experimentos, fome e sede.
Dos que se atrevem a entrar, mesmo sem o desejo próprio, jamais voltam para contar, sequer o menor detalhe. Sabe-se apenas que possui uma única entrada e uma única saída, e que é impossível entrar pela porta de saída, ou sair pela de entrada. Há os crédulos que ousam afirmar, que todos que já estiveram, estão de volta, e estando agora, voltarão em breve. Não há registros fiéis dessas idas e vindas, e se realmente ocorrem. Então, todos retornam desmemoriados. Sem nenhum documento passaporte que os habilitem à comprovação ao menos, da efemeridade de suas estadias. São muitas estórias narradas por curiosos, especuladores, mentirosos e manipuladores da ignorância alheia, mas tudo sem a mínima sustentação científica. Entretanto, há duas verdades: para entrar é necessário ter parentesco lá, e não se entra querendo, mas às vezes querido.
Mesmo perigosa e temida, a maioria dos que já estão não querem sair, mas existem os apressados em deixá-la, e os que são colocados para fora à força, e de forma violenta. Às vezes, antes de terem tocado a luz com os próprios olhos.
Antes da chegada, durante e ainda por longo período após, enfrentam um grau de altíssima dependência. A saída é indolor, porém, na maioria das vezes, precedida de grande dependência, dor e sofrimento. Não só para quem parte, mas principalmente para os remanescentes, apenados à espera do próprio acaso.
Entram e saem num vai e vem continuo, não importando seus estados de ânimo de satisfação, ou não. Muitos classificam suas estadias como inoportunas por erro de localização, tempo e condições de sobrevivência.
A questão é, por que os trouxeram sem planejamento e um bom estudo de viabilidade para o projeto? Por que tamanha incompetência e falta de responsabilidade? E quem são os responsáveis?
Afinal, se a caverna é finitamente grande, po rque os responsáveis por esse transporte, manutenção e guarda, os trazem para regiões desfavorecidas de mínimas condições de sobrevivência? E eles próprios, tendo pouco, ou quase nada a oferecer em conforto, segurança e qualidade de vida, por que se lançam a tal empreitada?
Por que eles não se capacitam antes como bons provedores, capazes de propiciar estadia digna? Afinal, não são ao menos convidados a vir, simplesmente trazidos à revelia. Por isso, é muito justo o pleito por melhores condições e protestos por ter sido trazido de forma tempestuosa.
Assim, a convivência não pode ser fácil! Pequenos e fragilíssimos seres à deriva do destino: conjunto de possibilidades não controláveis. Tendo individualmente, quando muito, um par de provedores diretos que lhes intermediam a comunicação com o meio e os outros semelhantes e lhe provém a alimentação, acomodação e agasalho.
Com o passar do tempo, o conflito se torna caudaloso, encrostado e o relacionamento encruado pela descoberta da sentença que lhes foi arbitrada: compartilhar o processo cultural daqueles, junto deles e estranhos, que possuem mais tempo de estadia e experiência.
Esse momento é crucial. Sentar-se junto aos demais e assistir à projeção das sombras sobre a rocha e tomá-las como verdades imutáveis e inquestionáveis? Ou, lançar-se à busca do novo e desconhecido?
Por certo, seguir fiel às sombras, é o lago das águas escuras e calmas, onde nada é visto com definição. Apenas, as sombras desfocadas, produzidas por lentes míopes e astigmáticas. Remar em águas calmas nesse lago em companhia de mentes homogeneizadas e com grande experiência nesse tipo de navegação é o caminho mais longo e seguro para uma estadia pálida, fiasco de memória para a eternidade.
Debater-se sobre um bote, rio abaixo, levado pela força da água e guiado pela coragem e um pequeno remo é a canoagem, capaz de produzir mudanças às suas estadias. Mas, aos que chegam à caverna no fundo do poço, há primeiro de atolar os pés na lama, sujar as mãos no barro durante a subida da encosta, ferir o corpo em rochas farpadas para só depois, sair à procura do remo, bote e rio.
Encontrar a escada da ascensão social, instavelmente fixada em alguma rocha bem camuflada e defendida pelos manipuladores das sombras projetadas na caverna, é dependência exclusiva da capacidade agregadora de valor de cada indivíduo, seja como formador de opinião, gerador de riquezas, produtor de ciência ou arte para a remição de sua existência.