Que coisa terrível é a fome

Chega um momento em que você se acostuma com a fome. É como se o seu organismo tivesse desistido de pedir por comida: ele já percebeu que você não irá alimentá-lo. Quando chega essa hora, você passa a achar que, apesar de tudo, a fome nem é tão difícil assim e que você ainda é capaz de suportar por muito mais tempo. O problema está em chegar até esse momento.

Na alegria da última refeição, seu corpo nem desconfia do que está por vir. Não sabe que ainda levará muito tempo até ser abastecido com mais comida. E quando chega a hora em que ele, o seu corpo (esse conservador), reconhece como aquela em que, tradicionalmente, você come alguma coisa, ele irá reclamar. Quem primeiro percebe que alguma coisa está errada é o seu cérebro. Dali a pouco a informação já chegou até o seu estômago, que começa a roncar – comida, comida!

E você sabe que é disso que ele precisa, e de muito bom grado entregaria a ele tudo o que deseja, mas, no entanto, você sabe que não é possível. Só que não é fácil convencer o seu corpo disso, e nas próximas horas ele insistirá com força cada vez maior. Mal sabe você o caos que se formou dentro de você, e se isso se prolongar é provável que os seus órgãos comecem a se comer uns aos outros – para sobreviver, eles se matam.

Você tentará dormir, porque sabe que quem dorme não sente fome, o problema é que quem sente fome tem dificuldade para dormir. Pensa nas criancinhas na África que passam por isso diariamente. Pensa em Jesus Cristo, que aguentou quarenta dias e quarenta noites. Pensa nos faquires, em quem faz greve de fome, em quem se alimenta de luz. Que coisa terrível é a fome!

Até que o seu corpo desiste e você acha que irá aguentar. Pelo menos até o começo da manhã, quando ele irá lhe lembrar que naquela hora você costumava tomar café. Mas, antes do sol raiar, você já saiu de casa – sem comer nada. Olha para o relógio e constata com alívio: enfim completaram-se as doze horas de jejum antes do exame de sangue.