O HOMEM DA CALÇADA
Num início de tarde, quando dirigia-me para as aulas de balé, ainda na minha adolescência e enquanto aguardava para atravessar a rua, ouvi alguém dizer num bom vocabu¬lário.
-“Companheiro eu já tive tudo. Perdi minha família, casas e as empresas, nas mesas de jogos. Há três anos estou entregue a bebida”.
Não pude deixar de olhar em direção aquele desabafo. Lá estavam dois mendigos sentados na calçada e o que falava tinha barba e os cabelos compridos e desgrenhados, o terno de bom talhe, porém roto e de cuja lapela surgia um colarinho de seda encardido e esfarrapado.
Seus sapatos com a ponta aberta numa grotesca boca mostravam o vislumbre do que fora uma meia.
Embora fossem poucas as palavras que ouvi, nunca esqueci.
Atravessei a rua e levei na lembrança a imagem triste daquele homem com a expressão vazia de alguém que pas¬sou, com alma perdida respirando coisa nenhuma, esperando o entardecer.
No olhar sonâmbulo talvez bailassem lembranças da intimidade familiar, do macio colchão, das roupas caras e dos grandes salões.
Quando a noite chega, as pessoas se abrigam do frio no aconchego do lar.
Mas ele não.
Ninguém acharia sua falta.
Ninguém iria procura por ele.
Não possuía mais uma casa.
Nenhum portão a transpor.
Por quanto tempo terá ficado ali na sarjeta, esper¬ando o entardecer?