TCHAU, JOÃO

Quem lê o título acima pode imaginar duas bobagens: (1) que João volta logo; (2) que João e eu éramos amigos.

Lamentavelmente, João se foi para sempre, como qualquer um de nós um dia irá. Mas, ao contrário da esmagadora maioria de nós, João viverá para sempre. Não a pessoa física de João, mas a pessoa jurídica, perdão, literária, intelectual de João. O corpo vai, a obra fica. É da vida.

Como é da vida, plebeus, como tantos outros e eu, sentirem-se íntimos de quem nunca viram. Mas que aprenderam a respeitar, admirar, a querer bem. Profundamente. Para todo o sempre, como se para o todo o sempre fosse possível.

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Aproveitei a insônia renitente, para reler, ao longo da semana, alguns livros de que gosto. Fui de Carlos Heitor Cony. Reli com prazer e admiração, pela ordem: “Quase memória – quase romance”, “O indigitado” e “Romance sem palavras”. Baita prazer. Como escreve bem, o danado do Cony!

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Na quinta, final de tarde, fui ao nosso depósito, no segundo subsolo do prédio, atrás de outros livros do Cony. Abri caixas e caixas, não encontrei “Pessach”, mas achei “A casa do poeta trágico”.

Fiquei puto: cadê “Pessach”? Teriam me roubado na mudança, três anos atrás? A ira foi perdendo força, aos poucos. Na medida em que eu, já de saco cheio de procurar em vão, reencontrava, não pela ordem, “Setembro não faz sentido”, “O sorriso do Lagarto”, “Sargento Getúlio”, “Política” e vários outros escritos por ele, João.

Optei por dar certa ordem na bagunça, deixar à vista os que me interessavam no curto prazo. Trouxe para o quarto andar alguns livros e “O conselheiro também come”, dele: João. Próximo passo: reler todos os seus livros que já li. Segundo passo: comprar os que me faltam. Na madrugada, abati mais um Cony.

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De manhã, logo cedo, muito cedo, apesar da madrugada insone, já estava de pé. E o mundo e eu ficamos sabendo que João morreu. Paciência. Não vou mudar meus planos. Vou reler seus livros com alegria.

Obrigado, João.

Gente como você, João Ubaldo Ribeiro, não morre jamais.

Muda de bairro.

Orlando Silveira
Enviado por Orlando Silveira em 22/07/2014
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