O CÉU E O INFERNO CONTRA MIM
Recordando...
Há algum tempo atrás. Muito ou pouco tempo? Puta que lá merda, bem lá atrás mesmo; Pois é, eu tinha um moderno jeito de reproduzir os trabalhos e provas para os alunos. Eu trazia para sala de aula tudo caprichosamente mimeografado.
O processo era demorado pra caralho, e exigia certo grau de elevadíssima paciência.
Para elaboração de um trabalho ou de uma prova demandava muita destreza e muita reza para que tudo desse certo. Pegava-se com muito cuidado a matriz retirando dela a folhinha de seda que vem entre o carbono e a folha em branco.
E daí a coisa estava pronta para o início do processo.
Podia ser rabiscada, desenhada ou datilografada. Eu, como era um pouco mais moderno, datilografava.
Mas o processo de tirar as cópias, isto eu fazia na casa de um amigo que em melhores condições financeiras possuía esta maravilhosa máquina. Eu comprava sempre a melhor matriz para poder tirar aproximadamente cem cópias.
Para tirar a quantidade máxima de cópias, perdiam-se em média umas duas horas. A cada dez cópias removia-se a esponja, umedecia em álcool e recolocava no cilindro. Depois de umas cinquenta cópias era necessário aumentar a pressão da alavanquinha para a segunda posição.
Quem viveu esta barbárie sabe a merda que sempre dava.
Eu teria que aplicar a última prova para os alunos de administração.
Lá vou eu pacientemente iniciar o processo dedicando todo o domingo para isso. Já na primeira matriz ao retirar a folha de seda fodi com a matriz ao deixar o copo com agua cair em cima.
Ainda bem que não tinha nada produzido na matriz.
Começo o preparo da segunda e última. A matriz na máquina de datilografia e lá vou eu, com esmero cuidado, tal qual uma galinha na catança do milho, catilografando tecla a tecla.
Concentração total.
Quase terminando, mulher me chamando para o almoço, resolvo conferir.
- Puta que os pariu, errei!
Quando se errava todo o trabalho estava perdido.
Dei um berro violento de raiva, e tive a presença imediata da esposa e um vizinho que chegou todo assustado.
Dispensei o almoço e por sorte o vizinho que chegou tinha em casa uma matriz,
Toda a operação novamente iniciada, e uma hora depois terminada.
Comi rapidamente alguma coisa e rapidamente me dirigi à casa de meu amigo para a segunda operação.
Meu amigo naquele domingo não estava muito bem, além do time de sua paixão ter perdido tinha tido uns entreveros com a mulher.
Quando se tentou dar início ao infernal processo verificou-se a falta do combustível. Corre em busca de socorro num vizinho, em outro e finalmente um terceiro tinha uma garrafa de álcool.
Convoquei todos os santos e implorei a ajuda dos anjos protetores antes de iniciar aquela funesta operação.
Eu acho que os astros estavam neste dia completamente desalinhados.
Não sei por qual motivo, os santos e anjos infelizmente estavam em greve.
Já na primeira cilindrada a merda aconteceu. O álcool de péssima qualidade acabou borrando e inutilizando a folha.
Meu amigo, sentindo-se culpado e como se tivesse vindo de uma sinistra reunião do inferno, contrariadíssimo, de olhos em brasa e quase cuspindo fogo pelas ventas berrou:
- Filho de uma puta!
Sentou-se no chão, quase de cócoras, com as mãos na cabeça e entre as pernas permanecendo por alguns segundos resfolegando alto.
Pedi calma a ele, e já estava quase desistindo do funesto trabalho quando olhando para mim diz:
- Meu amigo, não se preocupe, eu tenho uma matriz e vou refazê-la para você.
Ele não era tão abastado assim, e tive que buscar em casa a minha máquina de datilografia.
Com muito cuidado e esmero, finalmente depois de quatro horas de uma intensa luta, as noventa cópias da prova estavam prontas.
Peguei-as com carinho e as levei para casa.
No dia seguinte lá vou eu para a Faculdade aplicar a dita prova.
Chovia uma chuva fina e insistentemente molhada.
Mais adiante um carro em ziguezague vinha perigosamente em minha direção.
Buzinei, dei sinal de luz e pum, o filho de uma puta esbarou na traseira de meu corro. Desgovernado rodopiou na pista e foi de encontro ao barranco. Com o impacto meu corpo foi cuspido para fora, e ainda no ar vi desesperado que um monte de folhas brancas mimeografadas voava ordinariamente no ar.
Caí de fuça na lama, e uma nuvem de folhas mimeografadas veio em forma de chuva cobrir carinhosamente meu corpo enlameado.