Tarde dos ociosos

Sabe, começo a delatar algumas coisas diferentes para mim, agora estou a escrever no período da tarde, o que não é normal, visto que sempre tenho algum afazer, mas o fato é que escrevo num sábado a tarde e tudo é muito novo. Começo a avaliar o porquê de não me dar vontade de escrever a tarde, e vejo que é um período muito dúbio, pois saímos de uma manhã onde fazemos quase tudo que queremos e o que não queremos deixamos para a noite, até mesmo o descanso. E o que seria a tarde? Aquilo que está no meio de tudo isso, impotência em forma de horas ou esperança morosa dos ponteiros.

Para piorar a “mancha negra” em cima desse exato período em que estou escrevendo, fala-se do sábado: um dia de extravasar ou colocar em dia. Pela manhã dormimos o que não pudemos durante a semana, à noite saímos com os que prezamos, e a tarde...? Voltamos a anterior definição, ficamos presos entre os extremos do dia, mas algo hoje juntou fragmentos que me instigaram a pôr no papel o que sinto. Talvez essa vontade esdrúxula venha da minha leitura litúrgica, sagrada e prazerosa de Clarice, um raro livro seu que adquiri num sebo e que me atiça toda e qualquer pequena vontade de escrever, mas, ao mesmo tempo, decepciona-me, visto minha pequenez perto de monstros literatas feito ela, ou melhor, de sua sensibilidade inteligente como a mesma definiu.

Mas será que é mesmo necessário um motivo para escrever? Escrevo porque não me completo com o silêncio dos sábados, grito porque a tarde é tempo de revoluções, insisto em ser diferente já cansado da monotonia dos sábados à tarde.

Necessitando de andar a pé pelo Recife justamente num sábado à tarde, pude perceber algumas coisas curiosas e outras nem tanto. Pude reparar na grande incompetência dos órgãos que regulamentam essas calçadas públicas, mais respeito com elas, “ali sambaram nossos ancestrais”, e ali quase caio e fiquei a imaginar aquelas personagens já batidas de nosso cotidiano, os bêbados, o que fazem? Aliás, quem nunca tropeçou numa dessas?

Pude observar com minha muda tristeza alguns bares pelo meu trajeto e nesses muitas pessoas, como poucas vezes olhei para o que estava ao meu redor num sábado de tarde nunca tinha notado, mas sim, tem gente nos bares em pleno sábado a tarde, e muitas.

Vi nos bares casais que, notadamente, já necessitavam de ir para casa, mesas pedindo contas, solitários lobos pedindo mais uma, cachorros comendo ossos de codornas(fica a dúvida pois nunca fui bom em identificar ossos de animais, poderia muito bem serem ossos de um galeto), e me perguntei com tudo isso o motivo de se beber quando se ama.

Não quero dizer com isso que tenho preconceito com os que bebem e amam, só acho egoísta demais de sua parte, visto que amar é um embebedar um sempre ébrio. Aqui também devo registrar meu total zelo e respeito pelos lobos solitários, eles têm dor, mas só os respeito até o ponto da mera cordialidade, quando esses saem de suas mesas viram inconvenientes abutres ébrios.

E não posso deixar de registrar um curioso caso de uma mulher que descia de um táxi com sua amiga, pelas suas trajes beberiam um pouco no bar, mas o que me causou estranheza foi o fato de uma delas estar ao telefone e, já quero me desculpar pelo entrometimento, mas acho que era com seu parceiro, e o que era uma conversa tornou-se uma discussão, o que fez com que eu retardasse meu passo para “pescar” algo ali, e ela gritava aos berros: “NÃO ESTÁ BOM!”, julgo que, diferente de mim, ela não estava a falar do fato de beber com uma amiga num sábado a tarde, mas poderia ser também.

Por motivo de escassez de assuntos relevantes e procurando evitar uma queda pelos paralelepípedos recifenses, vou ver se fico em casa, procurando me manter sempre sóbrio, pois, vai que num desses sábados a noite eu consigo ficar bêbado de amor.

Gabriel Amorim 19/07/2014