Que vergonha (EC)
 
Ter ou não ter vergonha na cara era tido como símbolo de bom ou de mau caráter no tempo de minha meninice. Tudo levado a sério, algumas vezes resultando em suicídio, pena máxima auto imposta por quem, abusando do poder, fraudava instituições. Naturalmente, esta vergonha exacerbada não é coisa destas bandas do Atlântico, que pacificamente vivia de esperança e agora de solidariedade. Solidariedade já foi minha palavra preferida, assim como esperança. Embora veja alguma diferença entre elas, creio que têm pontos em comum. Porém a bola da vez é a vergonha. Apesar do dicionário, sempre desconfiei que havia uma distinção entre vergonha e culpa. A culpa parece ser vinculada pontualmente a uma ação ou omissão praticada pela gente. Talvez esta noção seja contaminada pelo conceito de culpa e culpabilidade do Direito aprendido na Faculdade. A vergonha, muito mais moral, sentimos por ação ou omissão de outros. É mais geral. Na verdade, há pessoas que pensam melhor quando estão sozinhas falando em voz alta. Outras, quando participam de conversas animadas. Penso melhor com palavras escritas. Aqui construindo uma explicação tardia para a vergonha nacional. Falo da vergonha alemã, que observo há muito tempo lidar com o mais sangrento marco da História. Lá pelos meus 19 anos de idade participei de um grupo de trabalho voluntário, de prestação de serviços de saúde à comunidade, com foco em oftalmologia e ortopedia, custeado por uma entidade alemã. Era muito dinheiro recebido e igual quantidade de dinheiro desviado. De qualquer modo, se mostrava algum serviço à patrocinadora. País do tamanho de um Estado nosso, o que mostra que recursos naturais não faz diferença econômica em mãos dementes. Da Alemanha também saíram grandes gênios da filosofia, da música e até o mais conhecido gênio da humanidade, Einstein. Será que se cansaram de ser inteligentes e desejaram, de uma hora para outra, ser reconhecidos como homens de arena? Pelo contrário, investiram na manutenção de seus jovens atletas no mercado interno. Mostraram que tudo pode ser objeto de estudo. Aquilo que já sabíamos: talento é um pequeno percentual de qualquer arte ou ofício. Eis que agora se encontraram frente a frente. Um povo envergonhado de parte de seu passado, que por isso se esforça para ser melhor e gosta de oferecer ajuda a quem precisa, assim oferecendo donativos a Bahia, ao Rio Grande do Sul. No outro lado do oceano, um povo que se acha muito esperto ao trocar voto por vã esperança. Continuo com a prática da solidariedade e a achar este o mais nobre sentimento humano, sim! Agora, pensando em voz grifada, sinto vergonha desse poço sem fundo onde se atiram moedas paliativas e o povo pedinte sorri encabulado sem forças para cobrar soluções definitivas e perfeitamente possíveis. 

Este texto faz parte do Exercício Criativo QUE VERGONHA!
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