Hiroshima não basta
É justo que o acontecimento mais emblemático do século XX também tenha sido o tema da melhor reportagem daquele século. O impressionante esforço de pesquisa de John Hersey para reconstruir o dia 6 de agosto de 1945 na vida de seis personagens faz de “Hiroshima” o relato mais aproximado e humano daquilo que foi a tragédia japonesa. Os pequenos detalhes coletados pelo autor sobre o dia do ataque da bomba atômica e os que se seguiram dão a dimensão do horror a que fomos capazes de chegar. Hersey não precisou apelar para as frases de impacto ou para os adjetivos que arrastam: sob a sua escrita, a simples descrição dos fatos já conduz à emoção.
Como ficar indiferente à tentativa de sobrevivência dos personagens e ao drama dos que não conseguem? Como não se comover com os gestos de solidariedade em meio às tentativas de salvação individual? O que pensar diante da mulher que permaneceu com a filha morta no colo e já em estado de decomposição por quatro dias, à espera do marido, um homem tão bom que merecia ver a criança ao menos mais uma vez, mas que provavelmente também já estava morto?
A reportagem tem histórias significativas o bastante para serem evocadas em qualquer conflito internacional – e, convém dizer, não apenas naqueles em que a ameaça provém de armas químicas. O relato de Hersey é constrangedor para a humanidade e deveria ser suficiente para que nunca mais nos metêssemos em guerras de qualquer natureza.
Só que infelizmente não é. Aqui estamos nós, russos e ucranianos, responsabilizando uns aos outros pelo abate de um avião comercial com 300 passageiros que pouco se importavam com o problema do separatismo na região. É quase o mesmo número de mortos pelo confronto entre israelenses e palestinos na Faixa de Gaza – só nos últimos dias. E, em tudo, ainda temos os americanos sempre dispostos a promover uma barbárie do bem.
Com nossas justificativas e nossas retóricas, estamos dizendo o seguinte: o testemunho de Hiroshima não nos basta.