As promessas da retomada
AS PROMESSAS DA RETOMADA
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 18.07.14, ocupando o espaço do cronista de textos diários Sérgio da Costa Ramos, que sai de férias por 15 dias)
Não sei como será hoje à noite, mas na terça-feira o reinício foi promissor. Aliás, na terça e também na quarta. Bem verdade que, se soubesse com precisa exatidão como serão as coisas logo mais, eu não estaria aqui nem continuaria um pobre mortal remediado. Já teria comprado alguma imortalidade por aí, posto que dinheiro não me faltaria e visão de futuro seria das clarividências de que disporia à vontade.
Mas não sou adivinho. Nem mago. Se mago fosse, venderia livros aos borbotões, livros baratos, quase dados, viveria na Suíça à tripa forra, como se dizia em priscas eras, assumiria uma cadeira na Academia Brasileira de Letras só para demonstrar o poder dos meus dons e nunca mais daria as caras depois da marcante sessão de minha posse.
Não sei como será mas vi como foi, esta a minha mortalidade indeclinável.
Vi que, dos cinco clubes catarinenses que atuam nas duas principais divisões do futebol brasileiro - três na Série A e dois na Série B -, quatro retomaram seus campeonatos com o pé esquerdo, como dizia o saudoso escritor Francisco José Pereira, comunista histórico e convicto destas terras barrigas-verdes que, ao ingressar no Partidão em tempos de Faculdade de Direito, decepcionou-se profundamente justo porque lhe negaram a tão sonhada carteirinha de membro do partido. "Estamos na clandestinidade", disseram-lhe, "a Lei nos persegue". O que o Francisco não conseguia entender é que, na terra, todo mundo sabia quem era comunista e quem caçava comunista, sem que dessas posições, a princípio (antes de 1964), resultassem consequências práticas para mais ou para menos.
O Francisco, aliás, estaria muito orgulhoso do seu Figueira, que foi a Curitiba na quarta-feira, derrotou o Coritiba por 2 a 0 e entregou a lanterna, de bandeja, para ninguém menos do que o assustador Flamengo, que perdeu em casa para o Atlético do Paraná. Por isto que o Mengão anda assustador. Na mesma noite, o Criciúma batia no Sul o Fluminense, que pelo futebol jogado em campo no ano passado deveria estar na Série B, de onde uma manobra de tapetão o alçou à Série A.
Os demais daqui
Na terça, o Joinville fez bonito: foi a Fortaleza, desafiou o líder Ceará e venceu o jogo por 3 a 1. De quebra, assumiu a ponta da tabela, robusto candidato à Série A de 2015.
Na mesma noite, numa Ressacada vestida de azul e branco, o Avaí fez mais uma das suas: toma um gol aos 11 minutos de partida, tem um jogador expulso na metade do primeiro tempo e perde um pênalti aos 45. A vantagem é que o autor da penalidade já tinha um cartão amarelo, recebeu o segundo e foi expulso de campo. Na fase final, empata logo aos 5 e espera - haja coração! - para virar o jogo apenas aos 45 do segundo tempo e subir para 6º na tabela.
Nessa retomada pós-Copa, só a Chapecoense não venceu. E não venceu apenas porque não jogou: sua partida da 10ª rodada, no Oeste, ficou para o dia 6 de agosto contra o Atlético de Minas.
A novidade
O que se mostra novo e promissor nesse reinício de jornada do futebol catarinense é o comportamento em campo do Avaí: continua eletrizante, ou seja, quase mata seus torcedores a golpes de descargas elétricas errantes, que se deslocam sem parar entre cérebro e coração - senão não seria o Avaí -, mas demonstra outra disposição durante o jogo.
Antes, se começasse perdendo uma partida, não encontrava forças para virar o placar.
Antes, se estivesse na frente, encolhia-se todo até levar os gols suficientes para amargar nova derrota, o golpe de misericórdia desfechado invariavelmente aos 47 minutos do segundo tempo.
Antes, a dor das dificuldades com a bola não extravasava no desabafo final de uma vitória quase inesperada.
Não sei como será hoje à noite, mas se valer o espírito da terça, a Ponte Preta que se cuide.
--
Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. A partir de 26 de agosto de 2013 integra o Conselho Estadual de Cultura, na vaga destinada à Academia Catarinense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 32.
(...) aquele 1965 em que éramos jovens, românticos e puros. Incontaminadamente puros. (...) Havia uma visão do coletivo, que hoje se perdeu, como também se extraviou (ou até soa ridícula) aquele ideia de "salvar a pátria", de interessar-se pelos problemas do País e do mundo porque eles habitavam nossa consciência.
Flávio Tavares, Memórias do Esquecimento