= CLAIR DE LUNE =

“CLAIR DE LUNE”

Ronaldo Trigueiros Lima

Disse Dostoievski que o “homem é um ser que se habitua a tudo”. Deve ser mesmo... No entanto neste momento, não consigo digerir essa dor. Não consigo encará-la como algo que o tempo haverá de amenizar pois, aos setenta e sete anos, não me sobrará, com certeza, anos suficientes para isto. Uma perda deste tamanho desequilibra a vida e apaga o mundo. É como arrancar de uma árvore abruptamente pela raiz.

-A superação é necessária, disse-me um amigo piedosamente, numa tentativa de me consolar despertando-me à necessidade cósmica de me mover. Afinal a vida continua veloz e indiferente aos percalços do caminho. Não há bonança, nem maldade no após tempestade. Tudo é bem minúsculo. O que fazer?! Resta-nos colher no vazio da dor “cacos”existências enegrecidos indiferente ao todo que passa, que nos olha alienadamente pelas esquinas. Lembrei-me do que dissera no ápex da catarse, quando a urna foi encerrada no túmulo:

- Amo-te filha! Amo-te meu amor! Perdoe-me pelas fraquezas todas... Pelo nada enorme que eu sou. Perdoe-me por ter sido essa âncora enferrujada pelo medo que paralisa os inseguros indecisos acovardados entregue a dúvida das sombras. Disse Dostoievski: “Se deixarmos que o temor nos dissolva é porque o medo apagou nossas vontades, empurrando -nos para autodestruição que nos leva o engodo absoluto do nada”.

Assim, ante a esquizofrenia da minha filha, confesso que me faltaram forças,que talvez quem sabe, amenizassem as intempéries da impotência.

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Voltei a casa com meus irmãos em silêncio. O automóvel seguia em média velocidade, e meus olhos debruçavam-se sobre os transeuntes como se espiassem o caos. As pessoas passavam indiferentes as lágrimas, mexendo-se como formigas vorazes,

comunicando-se entre desejos e pesares..

Repente, tal qual uma miragem, pareceu-me vê-la na curva da calçada, sorrindo para mim como nunca d’antes fizera, e com um largo aceno dava-me adeus estranhamente sorridente...

Tive vontade de gritar, pular do carro, e resolver súplicas não esquecidas.

Meus irmãos continuavam conversando sobre coisas corriqueiras. Falavam sobre a cidade deformada, sobre o hoje desfigurado das ruas maltratadas, descobertas pela ausência das árvores debruçadas, diferente das antigas alamedas imponentes que existiam em tempos que se apagaram.

Já em casa, entre lágrimas, me senti no chão.

Tomei um comprimido para dormir, apaguei. não vi mais nada.

Só acordei na plenitude da madrugada com o clarão da lua sobre o escuro nebuloso que varava o vidro da janela.

Lembrei-me do “Clair de Lune” de Debussy, música “delicadamente enluarada” que minha filha tanto gostava.

Adeus meu amor... Descanse na paz

Niterói, em 14 de julho de 2014

Ronaldo Trigueiros Lima

RONALDO TRIGUEIROS LIMA
Enviado por RONALDO TRIGUEIROS LIMA em 17/07/2014
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