PAPO CABEÇA (GERAÇÃO Z)

Sábado à noite!

Quatro adolescentes dividem a Coca-cola de dois litros na mesa da lanchonete.

Além da juventude, outra coisa os identifica: a luz de led proveniente dos aparelhos de celulares que tem nas mãos ilumina os seus rostos ainda imberbes.

Olhos fixos na tela, dedos em posição de ataque e queixos inclinados, fazendo com que a nuca se mantenha reta em relação à coluna vertebral, eles parecem robôs. Entre eles nenhuma conversa se ouve. Apenas o barulho das teclas acionadas se misturam ao som do ambiente. Conectados ao mundo virtual, tão próximos das pessoas com quem conversam à distância, os amigos ao lado parecem estar distantes, a mais de mil milhas dali.

Na parede, uma TV presa a um suporte relata notícias do mundo real. Clientes e garçons compõem o quadro da vida.

Entretanto, um deles extrapola: em vez de um aparelho, ele tem dois. Um na mão esquerda e outro, obviamente, na direita.

No silêncio do quarteto, as duas mãos mantém um diálogo entre si, brutalmente interrompido quando, esporadicamente, uma delas, a direita, precisa abandonar o teclado, ir até a mesa, pegar o copo com refrigerante e levá-lo à boca de seu jovem dono. Em outras oportunidades, a esquerda também se ausenta, momentaneamente, quando vai de encontro à testa e, num movimento com os dedos, tira os fios de cabelos que estão caindo sobre os olhos do menino.

Assim, o papo rola entre as duas extremidades dos membros superiores do corpo humano. Somente uma dúvida intriga; as mãos são extremidades do corpo que tocam o teclado ou são componentes periféricos do teclado que estão plugadas no corpo humano?

Na íntegra, a conversa:

“Oi!” diz a mão esquerda.

“Oi!” responde a mão direita.

“E ae, td bem com vc?”

“Comigo, sim! E vc, como vai?”

“Vou bem!”

“De onde vc vem?”

“Eu sou da zona nordeste e vc?”

“Eu tbme, cara! Eu venho la da rua pessegueiro, 15!”

“Poh, eu tbem venho de la! Q coincidencia! Escute uma coisa, ja vi vc algumas vzs por aqi. Quem eh vc?”

“Eu? Eu sou a mao direita do Johny!”

“Nossa, outra coincidencia! Eu sou a mao esquerda dele!”

“Poh, mano! Eh por isso q eu tinha a impressao de ja ter visto vc por aqi!”

“Pois eh, brother! A gente eh parente e eu nem sabia disso!”

E assim o papo rolava noite adentro até que um dos quatro jovens à mesa, depois de notar a garrafa de refrigerante vazia, manda um msm aos amigos ao lado:

“Kbo refri! Vamos vazar!”

Enquanto faziam uma vaquinha para pagar a conta, as duas mãos também se despediam:

“Valew, mao direita! Foi um prazer conhecer vc!\o/”

“O prazer foi td meu, mano!\o/”

Os quatro jovens se levantam, pagam a conta, guardam seus aparelhos nos bolsos traseiros das calças e, silenciosamente, seguem para suas casas, que se localizam na mesma rua, do mesmo bairro afastado, na parte nordeste da cidade.

Na parede da lanchonete, entre cartazes de propaganda e de preços, um continha a seguinte inscrição:

“Wi Fi”

“Zona Livre”

“Exclusiva para clientes”

Jonas De Antino
Enviado por Jonas De Antino em 17/07/2014
Reeditado em 22/10/2018
Código do texto: T4885211
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