Dois fragmentos de um puzzles
Tenho 54 anos. Minha primeira filha nasceu em 1986. Ela tem 30 anos. Eramos casados a uns dois anos quando ela nasceu. Deve ter uns 32 anos de convivência, eu e minha companheira. Isso como casado. Considerando o período de pegação, vão-se mais de 35 anos. Um terço de nossas vidas.
Não me agrada chamar a esposa de esposa é um termo demasiadamente formal. Lembra os contratos assinados.Também não valorizo, a essa altura da vida, chama-la de minha mulher. Ela não é minha. É uma mulher do mundo, do trabalho, dos desafios enfim... Prefiro que seja reconhecida como companheira. Nem sempre foi assim. Companheirismo é uma construção. Demanda tempo e se refletirmos é um grande desafio.
No início da atração o alicerce é biológico. São nossos hormônios senhores das decisões. Não acredito que no início da vida, a dois, o amor é o imperativo. Não, não é. São sexos opostos, educações diferentes, valores distintos, interesses diversos. De comum a linguagem hormonal e aquela sensação de que se está no mundo com uma parte faltante. Tal uma peça de um grande quebra cabeça em busca de um contorno que combine. Acreditando que foram produzidos para existirem lado a lado.
Se enganam esses ao acreditarem que nesse embaralhamento universal de almas, somos 7,2 Bilhões no mundo hoje, tem um montador classificando, criando condições para que fragmentos que se completem se unam. Quantas vidas serão necessárias para que as condições sejam dadas para que se encontrem os pares perfeitos?
Fico imaginando, analisando, no sentido de fazer analogia, um apreciador de puzzles. Num conjunto de 500 peças, o jogador vai separando-as por alguma afinidade. Predomínio de azul serão classificadas formando um montinho. Os fragmentos com faces retas, que comporão o contorno da imagem, formam outro montinho.
Esse esforço de classificar os fragmentos complexos lhe custam algum tempo do tempo dedicado a tarefa de montar o mosaico. Nessas estratégia cartesiana, metódica, vai-se bom tempo até juntar um fragmento com outro. Encaixá-los de forma segura e correta.
São essas associações, para o jogador uma infinidade de tentativa e erro. A prática talvez melhore o desempenho. Não conheço estatisticamente qual é a probabilidade de acerto na primeira tentativa. Penso que é próxima de zero.
Essa fase que antecede a própria união de dois fragmentos de forma perfeita é uma eternidade. O mosaico estará montado depois de uma sequência desgastante de tentativa e erro.
Somos assim no início. Dois fragmentos de um mosaico maior. Mas Hoje, pela experiência vivida bem sei que o fragmento do meu lado não se encaixou perfeitamente. O inverso é verdadeiro. Esse contorno ainda está em construção. Acho que a vida se esgotará e ainda será perceptível os contornos se moldando. Mas estamos evoluindo.
Entre outras tantas trocas, tenho ensinado meu fragmento a beber e apreciar um bom vinho. Ela por sua vez, tem se esforçado a me ensinar a rezar. Nesse mútuo companheirismo, na medida da bebida que ela ingere, mais fervorosa é minha prece. Julgo que quando ela tornar-se alcoólatra serei crente.