Um amor na Copa

Economizava desde a penúltima Copa do Mundo, não podia ver uma moeda e já a enfiava no furinho do cofre. Morria de pavor só em pensar que alguém levasse o dinheiro guardado com tanto sacrifício. A quantos hambúrgueres renunciara? Perdera as contas.Também guardava as roupas melhorzinhas, teria que estar preparada pra tudo. Em casa a mãe reclamando, por que renunciaria a tantas coisas em função do futebol? Chegou o dia da viagem para o jogo da decisão, não teria como acompanhar toda a competição. Já chegou ao Rio de Janeiro contrariada com o papelão que fez a Canarinha. Agora tinha um prato indigesto, nem gostava da Alemanha (nem mesmo sabia o motivo da cisma) e nem da Argentina. A única coisa boa dos portenhos era o tango. Mas não era hora de pensar em dançar, mas em ver a partida. O Cristo lá, lindo, com aquele corpo de cimento armado, mas que parecia abraçá-la com carinho e compreensão. Jesus, me livre dos assaltantes, pediu a moça. Tinha conseguido um espaço em uma vila ali perto do Maracanã. Também as economias não dariam para os hotéis que quadruplicaram o preço. Estudante não se aperta com nada, achou tudo bom, tinha ali o de que precisava. Guardava o dinheiro e a todo instante verificava se estaria no local, em tudo via ladrões, como nos programas policiais do rádio e da TV. No dia seguinte estava se sentindo mais à vontade, andando por perto e achando que ali não havia ladrão coisa alguma. Todos rindo, todos se movimentando, tanta bandeira do Brasil, tudo muito mais que normal. Passou um carioca sacudido, coisinha mais linda! Carioca sabe conquistar, tem um tempero diferenciado, um papo infalível. Logo estavam tomando um sorvete e conversavam como velhos amigos. Que maravilha esse Rio de Janeiro, um cara bonito assim, gostoso assim... E eu me passando em minha cidade com aqueles caras além de feios, metidos. Acho que vou vir estudar aqui, isto é que é terra de homem bonito. E o carioca firme na conversa. Saíram já de mãos dadas, nada se perguntava, nada se respondia, as coisas iam acontecendo numa fluidez de filme de arte. O pensamento a mil por hora, que carioca! Entraram no quarto da pequena pensão e, a partir daí, é até difícil de narrar os acontecimentos. Tudo tão bom, bom além da conta. Dois corpos jovens, ela até pensou em uma música do Roberto que ouvia a mãe cantarolando: “assim é nosso amor no sexo”. Côncavo, convexo. Tudo junto e misturado. Que desempenho, era cada gol de placa. Parecia até o jogo Brasil x Alemanha. Aliás, o carioca ganharia dos alemães. Quando resolveram parar, a Alemanha acabara de furar a rede dos portenhos. A TV fazia o maior barulho, o ingresso perdido, mas... enfim...