Invisível na calçada
Uma criança animada brinca na suja calçada, Júlia cuida de sua destroçada boneca, dando um tratamento de princesa ao plástico enrolado num trapo, o sentimento é sincero e quase tão forte quanto a fome e o frio da ultima madrugada.
Os paradoxos convivem na cidade, pois alguns metros dali, Patrícia de 5 anos esbanja conforto e riqueza no quarto andar de um belo prédio, com bochechas rosadas quase da cor do seu vestido, e uma babá para cuidar de todos os seus passos, mas a felicidade é inerente, mesmo que por vezes seja passageira e ilusória, o cenário completa a situação e pode acabar condenando alguém que nada fez, num apartamento de luxo ou num canto da rua, onde os pequenos persistem bravamente.
Uma roleta russa nos joga aqui em baixo, um ou outro é sorteado, mas parece que a sorte ou o azar herdado, não pode garantir o sucesso da empreitada, uma jogada mal pensada ou um deslize do destino e pronto, a obra é alterada, levando para novos rumos e caminhos, alguns destes são como um tapete de asfalto enquanto que outros são só buracos com barro, mas sempre conseguem levar para um leque de mais opções, como prateleiras de um hipermercado, onde a pesquisa dos preços pode ser a chave de uma boa compra, sem deixar é claro de verificar as garantias, e o prazo de validade.
Patrícia aproveita da distração de quem a vigia e corre para janela, trepada no sofá da sala mirando as formiguinhas lá em baixo, seu olhar fica preso na figura de Júlia, que indiferente a tudo brinca no seu mundo do outro lado da rua, num momento mágico os olhares se encontram e chegam mesmo a se tocar, peças iguais em diferentes posições do tabuleiro.
_Mas que menina travessa! Grita a babá ao interromper o encontro, que apenas por um mero instante, deixou tão próximo o que parecia distante!