TRIBUTO A BARBOSA
E agora, José? A festa acabou, a luz apagou e você, torcedor brasileiro, retoma sua vida ainda sob o efeito do choque anafilático dos 7 X 1 (os 3 X 0 posteriores foram apenas a cereja no bolo do adversário). Não veio a utopia e você quer entender. A derrota era previsível, mas aquele tsunami no Mineirão é assunto que ainda vai assombrar os brasileiros e a crônica esportiva por muito tempo. Vai atravessar gerações.
Mas, em vez de procurar culpados (a História se incumbirá de apontá-los), devemos urgentemente resgatar inocentes. Em especial, um goleiro sobre cujos ombros a nação jogou o peso da derrota de 1950. Cruz que carregou por meio século. Barbosa, o vilão do Maracanazzo. Recebeu pena perpétua por um mísero placar de 2 X 1. Com o empate, seria campeão. Um gol e um minuto fizeram toda a diferença em sua vida. A discriminação se agravou pela cor da pele, estigma que marca o futebol até hoje.
E agora, Brasil? Temos uma dívida com esse homem, com sua memória. Uma dívida de 64 anos. Os heróis de 1958, 1962 e 1970, pela Lei Geral da Copa, mereceram um prêmio fixo e um auxílio mensal, a chamada “bolsa-campeão”.
Os tetra e pentacampeões também foram agraciados regiamente. Os primeiros, beneficiados ainda com o “voo da muamba”, que trouxe toneladas de equipamentos livres de tributação, com peso suficiente para derrubar o então secretário da Receita Federal (Quem se lembra?).
Premiavam os vencedores e agora premiam também os perdedores. Hoje, tudo é festa no padrão FIFA. Quem ficou em quarto lugar – Brasil – vai levar cerca de 20 milhões de dólares, dinheiro que, segundo a CBF, será revertido em “premiações” para os jogadores e membros da comissão técnica.
Trocando em miúdos: Lucro para quem ficou de quatro (digo, em quarto), ao perder de sete, e expiação vitalícia para quem ficou em segundo lugar e levou apenas dois gols. Aritmética sinistra, esta.
O leitor ainda acha pouco? Pois saiba que, em 1994, Barbosa foi barrado na Granja Comary durante a preparação dos jogadores para o Mundial de 1994, aquele que resultou no voo da muamba. Voltou chorando pra casa, disse sua filha, e morreu poucos anos depois.
No caso, o dano moral (dano à imagem, que perpassou gerações) parece-me claro, embora irrecuperável. Mas pode-se tentar remediá-lo agora, diante da contraprova acachapante testemunhada “urbi et orbi” no Mineirão, no último dia 08. Pode-se instituir uma indenização para seus familiares, a exemplo do que foi feito para os outros atletas. A exemplo do que foi feito com outros perseguidos – os políticos, ex-companheiros da Presidente – que receberam polpudas indenizações. Afinal, no Brasil há projetos de lei para tudo, até para distribuição gratuita de viagra.
Mas, se eu fosse herdeiro do vice-campeão Barbosa e não precisasse de esmola do erário, ficaria satisfeito com uma reabilitação pública. Galileu foi reabilitado. Dreyfus foi reabilitado. No Brasil, políticos foram reabilitados (lembremo-nos de Ibsen Pinheiro e Alceni Guerra).
Que tal, então, uma retratação feita no próprio estádio onde se cavou a sepultura moral dele? Uma homenagem póstuma ao grande injustiçado da história do futebol brasileiro. Eu proponho um jogo amistoso entre as seleções brasileira e uruguaia no próprio Maracanã que, hoje renovado, passaria a chamar-se Barbosão (assim como Itaquerão, Mineirão e outros aumentativos altissonantes que batizam nossos estádios). E, aí, parodiando o dístico da bandeira de Minas Gerais, poderemos afirmar: JUSTITIA QUAE SERA TAMEN.