O MILIONÁRIO
Tava um “rebú” danado na casa do Godofredo porque o cara tinha chegado do serviço às quatro da tarde. Geralmente acordava às quatro da manhã e só retornava às onze da noite... Pior que ainda chegou de porre ...
Primeiro veio a sogra. Uma baita duma crioula , muito da mandona, que tinha mais ou menos 2 metros de largura. Agarrou o Godofredo pelo pescoço. Godofredo era magrinho, 1,60 de altura e pesava uns 60 kilos...
- Olha aqui ô paspalhão. Que negócio é este de aparecer aqui na hora do trabalho? Num ta vendo ai o montão de bocas esperando esta comida mixuruca que tu bota em casa?
Godofredo encolheu. Tinha um medo da sogra desgraçado.
Chegou mais gente. A mulher, a cunhada, o sogro, a prima da mulher e de quebra oito filhos...
- Posso saber que diabo de palhaçada é esta? – emendou a mulher- Acha que eu me arrebento na beira desta porcaria de tanque que tu fez no quintal, pra te sustentar de cachaça, seu cretino?
Godofredo afinou mais um pouco. É que de vez em quando levava umas porradas da mulher que puxara, geneticamente , a mãe.
O sogro, 171 de nascença, fez sua média:
-Olha aqui Godô. Tu sabe que sou teu amigo e não abro. Mas assim já é demais...
A sogra, aproveitando o ensejo:
-E por falar em trabalho, tú já arranjaste algum?
O velho que tava desempregado a uma pá de tempo, desconversou, dando uma de conhecedor dos direitos de qualquer cidadão.
- Deixa o Godô falar. É direito dele. Todo mundo tem direito de defesa, ora bolas. Até ele...
Godofredo, que já estava preparado pra levar porrada a torto e a direito, aproveitou a deixa e com muito custo tentou explicar:
- Calma pessoal. Eu so tava comemorando, porque acertei na Loteria Federal e de hoje em diante não pego mais no pesado.
Falava e exibia um bilhete inteiro da Loteria da Caixa Econômica.
Foi a conta pra mulher assumir ares de santa senhora:
-Ah! Eu logo vi que alguma coisa tinha acontecido porque o meu Godozinho, que é homem de moral, não ia andar por ai bebendo a toa.
A cunhada , eufórica:
- Deixa eu ver Godô. Eu nunca vi nota de milhão...
A prima que não se dava com ela, não perdeu ponto:
- Ô sua anta! Num ta vendo que num existe nota de milhão, sua besta! Isso ai é cheque que a gente só tem de ir no banco e receber...
O filho do meio, que estudava na APAE, sapecou
- Num to vendo nada de cheque . Só to vendo um papel igual ao que eu pinto na escola...
O mais velho- picareta renomado – pensou em dobrar a grana:
-É isso ai pai. Agora a gente pode fazer um motel ai no quintal que isso dá dinheiro à pampa.
O Godofredo quis se impor e dar uma de importante:
- Primeiro vou buscar a Mercedes que eu vi na concessionária e...
A santa interrompeu, reassumindo, temporariamente:
- Vai uma ova! Ta pensando “que por causa de” agora é rico vai fazer harém dentro da minha casa? Só pisando no meu cadáver!
E a coisa tava nesse pé, com o bilhete premiado correndo de mão em mão quando, de repente, deram falta do papelucho.
Procura daqui, procura dali e nada.
- Alguém roubou, gritou a sogra....
E começou um foi não foi dos diabos. Foi fulano, foi beltrano.
Até que lembraram do Juninho que tinha sumido da sala... Era a salvação, pensaram todos. Só podia ter sido ele.
- O ladrãozinho tem a quem puxar...
Justificou o Godofredo, olhando de soslaio pro organizador do motel.
Tava saindo do banheiro o Juninho. Partiram pra cima dele.
Juninho que era um feliz e saudável guri de 5 anos de idade, foi logo matando a charada:
- Ah! Um papel colorido todo numeradinho?
- Esse mesmo! Esse mesmo! Gritaram todos num coral afinadíssimo!
Juninho, olhando pro banheiro:
- Já era...
Ainda correram todos, mas o garotinho era educado e já tinha dado descarga...
Publicado originalmente no Jornal Correio do Sul em 05/ 1983