Um sorriso, por favor!
 
Entrei no ônibus e, como de costume fui para as últimas poltronas, pois lá tenho possibilidade de não passar calor, abro a janela sem incomodar ninguém. Meus cabelos são encaracolados e, por mais que o vento o desalinhe parece estar sempre do mesmo jeito, logo não me importo com o vento forte.
As pessoas foram entrando e ocupando as poltronas. As poltronas estavam quase todas ocupadas então uma senhora com uma criança se sentou ao meu lado. Observei que ela estava num mal humor que parecia ser o estado permanente de seu espírito. De repente a menina tocou a minha roupa com os pés calçados numa sandália branca. Afastei o corpo para que ela se acomodasse melhor, mas ela tirou os pés do suposto conforto. Olhei e comentei: "Não me incomodo, me afastei para acomodar melhor os seus pés." Ela não pronunciou uma palavra, mas não voltou a colocar os pés no mesmo lugar.
Olhei para ela e observei que tinha no rosto a mesma expressão da mulher que supus ser sua avó. Um rosto marcado por uma alma ranzinza que ela não tinha, claro! Era uma criança, mas copiava o adulto a quem admirava. Arrisquei e mais uma vez lhe dirigi a palavra: "Que carinha mais brava, assim não posso saber se você é linda, vou para casa pensando que você é apenas uma menina bonita." Um sorriso lhe iluminou o rosto e ficou mesmo uma linda menina. Então lhe disse: "Ficou uma linda menina! O sorriso ilumina o rosto e faz as pessoas a nossa volta um pouco mais feliz. Sorria sempre." A menina manteve o sorriso e o rosto iluminado pontuava sua beleza morena. Por instante a esqueci, pois chegamos ao nosso destino e me distraí vendo o aglomerado de gente no corredor do ônibus. Como as pessoas são impacientes! Quase todos se levantaram a um só tempo para por em ação um único objetivo: sair por uma única porta rumo à liberdade da rua. Nessas ocasiões, sempre aguardo até o corredor se desobstruir. Então saio calmamente.
Quando olhei para o lado, a menina e avó já haviam partido e eu nem percebera. Olhei a massa e não os indivíduos, por isso não notara a presença da avó e da neta em meio àquela fuga rumo à rua.
Enfim, meus pés saborearam o gosto da rua, rumei para o banco e depois para a famosa Casas Bahia: ia ver o preço de um notebook, pois o meu, aparentemente, não me servia mais.
Voltava taciturna, pois não gostara dos preços e minhas contas mentais indicavam a quantidade de dinheiro que jogaria fora se optasse por um pagamento a longo prazo.
Uma voz ao microfone me ligou no que de fato acontecia fora dos meus pensamentos. Não atinei há quanto tempo aquele microfone despejava otimismo nos ouvidos dos passantes: "Abra o sorriso, um sorriso não custa nada. Um sorriso mostra que tudo está bem. Não tem coisa mais fácil de enganar do que o nosso cérebro. Pare de andar por aí com essa cara amarrada. Um sorriso avisa o seu cérebro que tudo está bem, então sorria e tudo vai parecer estar realmente bem. Sorria!"
Olhei para o homem e achei muito engraçado. Uma fila imensa se formara para fazer o jogo lotérico da semana, provavelmente mega sena, pois estava acumulada. O homem, portador da mensagem de otimismo era um palhaço, literalmente! A mensagem era para quem? As pessoas da fila permaneciam lá silenciosas e sem graça, ligadas no automático: sorte, sorte, sorte... As pessoas que passavam pareciam ignorar a mensagem. O homem repetia: "Sorria, um sorriso não custa nada..." Não pude segurar o riso. Fiquei leve!

Rutt Santos.