A poça d'água
Janete saiu bem cedo para o trabalho. Como nos outros dias da semana, semana após semana, dirigiu-se ao ponto de ônibus, estendeu a mão e apanhou a condução, lotada nesse horário. Chegou ao trabalho, saudou a todos, experimentou o mau-humor de alguns. Mais um dia duro pela frente com pilhas de documentos em sua mesa. Seu trabalho é competitivo, minucioso, exige concentração e refinada qualidade, por isso, enfrenta concorrência, nem sempre leal. O almoço é quase sempre um lanche em sua mesa de trabalho. Depois de cansativa jornada de oito horas, despede-se dos colegas e vai para o ponto, enfrentar a condução lotada, afinal é hora de pico. O dia dela ainda não acabara, precisava ir para escola. Chove muito, calçada estreita, os guarda-chuvas se digladiando, então ela arruma um lugarzinho no ponto, olha, repara em sua condução que se aproxima e estende a mão... Porém o motorista não para nesse ponto, passa direto, e sobre uma poça, encharcando a pobre, coitada! Alguns mostraram solidariedade, outros apenas riram. Ela por sua vez “rasgou elogios” ao irresponsável condutor em todas as suas gerações.
Por outro lado, aquele motorista, era casado, pai de quatro filhos, trabalhava em dois turnos, nos horários de pico pela manhã cedinho e ao final da tarde, realizando em cada turno três viagens, ida e volta. Seu ambiente de trabalho é complicado: máxima lotação, gente amontoada em pé, discutindo política, futebol e religião. Reclamam quando ele corre também reclamam quando ele dirige devagar. Centenas de puxadas no cordão de parada (Campainha), béeeeeeeeeeimmmm! Era sua penúltima viagem da tarde, naquele fatídico dia e a chuva era agravante. Aproximando-se daquele ponto viu a mão daquela jovem estendida e preparou-se para estacionar, volante levemente a direita, já no meio-fio, quando porém um dos últimos passageiros do ônibus gritara: “motorista, está lotado!” Então ele engatou outra marcha e arrancou. Ele desejava cumprir sua jornada estafante, voltar pra casa, abraçar seus filhos e beijar sua esposa.
Somos submetidos a muitos testes simples de paciência, como este, todos os dias. Na maioria das vezes não conhecemos o outro lado da história, por isso é possível que julguemos, condenemos e até “apliquemos a pena”. A paz e a alegria não podem ser submetidas a fatores externos, por mais complicados que sejam. Estes testes avaliam o quanto a palavra de Deus está agindo ou não em nosso coração, em nossa vida. É pelo testemunho pessoal que se avalia nossa conduta cristã, lembrando que Deus pode se utilizar de uma simples poça de água para avaliar a nossa fé e perseverança, afinal "O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta." (1Cor 13, 4-7).
O cronista pode ser considerado o poeta dos acontecimentos do dia-a-dia (The Global Conference for Wikimedia).