Espelho, espelho meu
Como ando mais desequilibrado do que jogador do Brasil durante a execução do Hino Nacional, tenho a minha própria psicóloga. Quando não está ocupada em se espantar com a minha falta de habilidade manual, ela costuma perguntar se eu não me enxergo. Isto é, acha que seria bom se eu passasse mais tempo diante do espelho. Digo que faço isso toda vez que escovo os dentes, mas não é o bastante para ela. Quer que eu me contemple e me convença, por exemplo, que tenho olhos bonitos. Pode ser, pode ser... De fato, evito os espelhos, e não por medo de que meu reflexo não apareça neles – ao contrário, é justamente por saber que irá aparecer. Há certas imagens que os espelhos deveriam refletir mais antes de exibir.
À contragosto, sento-me diante do espelho do guarda-roupa e começo a prestar atenção no que vejo. É um guri ainda – ninguém diria que está com 27 anos. Às vezes ainda precisa responder se já é formado. Com essa idade, os pais já haviam se casado, enquanto que nele não se enxerga ainda o menor sinal do homem de família. Meu Deus, como é magro! Alguém dê um prato de feijão para esse rapaz. E esses ombros caídos? Qual é o peso que eles têm carregado todos os dias? Apesar de tudo, há no rosto uma expressão serena, talvez conformada.
Tiro os óculos e me aproximo para olhar meus olhos. São o que o Braga chamaria de “castanhos tirantes a verde”. E, de fato, não me parecem de todo desagradáveis. Está bem, dou o braço a torcer: meus olhos são bonitos. Mas nem só de olhos viverá o homem. Também é preciso considerar, por exemplo, o cabelo. Entre uma ida e outra ao cabeleireiro, ele fica com bom aspecto por cerca de duas semanas. E essa barba mal feita? Tira esse bigode, Dom Diego. Não vamos nem falar nas pintas de beleza, nas cicatrizes deixadas pela catapora ou no pomo de Adão, porque aí eu me arriscaria a tomar atitudes que, segundo a crença popular, me trariam sete anos de azar.
Espelho, espelho meu! Existe alguém que goste menos de ti do que eu?