Escravas e escravos do desejo
A menina queria apenas colo. Mas queria colo e pão. E queria também casa e carinho, porque apenas colo e pão não bastariam.
Afortunada pequena que ainda não aprendera o que queria.
O encanto das meninas e dos meninos está justamente nisso. Assim que aprendem, as meninas deixam de ser meninas e os meninos deixam de ser meninos: tomam gosto pelo mero gostar e, quando se cansam, porque se acostumaram a gostar, insistem tanto até provarem o desgosto — que é a contra-mão do gosto.
Porque se acostumaram (e porque já aprenderem a querer) são capazes de tudo: barganham avidamente, humilham-se às vezes, usurpam outras tantas... E já não são mais meninas nem meninos: são agora escravas e escravos do desejo.
Nesta tarde de segunda-feira, na imensidão da fila e ali diante de meus olhos, não refleti sobre a pressa dos homens e mulheres sérios, com seus boletos e suas responsabilidades; não percebi sequer o celular chamando para outra reunião de emergência. Havia, ali ao meu alcance, uma menina querendo apenas colo. E eu, a julgá-la que quisesse colo e pão. E quisesse também casa e carinho, porque apenas colo e pão não bastariam.
Afortunada pequena que ainda não aprendera o que queria. E minha consciência denunciando o que eu poderia ter dado e nunca dei, o que eu poderia ter feito e nunca fiz, o que eu poderia ter sido e nunca fui.
Talvez por isso — e melancolicamente por isso — eu tenha redigido essa crônica. É bem provável que ela pareça sem pé nem cabeça, mas ainda assim eu preciso que ela seja escrita, ou nunca saberei se a insônia dessa noite não foi justamente porque resisti à penitência de escrevê-la.
E não me importo com a dúvida. Afinal, o encanto das meninas e dos meninos está justamente nisso. Assim que aprendem, as meninas deixam de ser meninas e os meninos deixam de ser meninos: tomam gosto pelo mero gostar e, quando se cansam, porque se acostumaram a gostar, insistem tanto até provarem o desgosto — que é a contra-mão do gosto.
E eu não quero o infortúnio de me julgar aquele que aprendeu o que quer. Prefiro a liberdade da ignorância à escravidão do saber!
Buritizeiro-MG, 14 de maio de 2007 (23h50)
Outros textos e poemas de minha autoria podem ser encontrados em: http://www.opontual.com.br/index_arquivos/Page3819.htm