A balança falante

Quem é que não tem uma balança de cozinha ou de casa de banho? Eu tenho, uma no quarto e uma outra de precisão com que a esposa controla as gramas de isto ou de aquilo, com que em momentos de inspiração me mimoseia.

Ainda que eu garanta a pés juntos que não sou guloso, caio no entanto com imensa facilidade na sua arte de pasteleira. Ora uma coisa leva à outra e o resultado é nós confrontarmos a nossa roupa, só pelo facto de volta e meia ela nos pregar a partida e encolher, encolher sim, que mais poderia ser? Quando a comprei estava bem, agora aperta aqui, aperta ali, para mal dos meus pecados!

A coisa complica a ponto de, para provar que continuamos inalteráveis resolvemos comprar uma balança, que periodicamente vamos testando a sua fiabilidade e honestidade, quando o nosso guarda fato pessoal teima em aposentar-se, já farto de abuso quanto à sua resistência. Então, recorremos à nossa balança que tem um parafuso de afinação, só que no nosso caso está sempre desafinado, mas para o lado inimigo, deixando-nos com uma raiva tão grande que a nossa vontade é atirá-la pela janela.

Assim, para que não restassem mais dúvidas resolvi enfrentar o problema da maneira mais económica, porém sofisticada. Uma balança que dissesse alto e bom som quanto eu pesava.

Não foi fácil encontrar uma dessas maravilhas tecnológicas que falasse em português, mas consegui, ainda que me tenha custado os olhos da cara. Através de um site estrangeiro consegui a dita cuja e o respectivo manual. Sim porque segundo fabricante ela era dotada de inteligência artificial, ainda que se pudesse programar outros requisitos de que era provida.

Os dias que antecederam a sua vinda foram para mim um stress total, vem hoje, vem amanhã e nada da maquineta aparecer. Duas semanas esperei eu, nervoso sem saber o que fazer perante a demora. Não sei se é do meu metabolismo ou de outra coisa qualquer, o que é certo, é que me dá uma fome que só sacia quando o meu desejo de posse é satisfeito.

Nesse dia, já farto de comentários pouco abonatórios quanto à minha elegância, convidei até os meus vizinhos para assistirem a esta maravilha. O meu entusiasmo era tanto que quem de fora observasse, diria que eu tinha comprado um automóvel topo de gama.

Antevendo a cara de espanto dos meus vizinhos, até programei um lanche comemorativo. À hora marcada a minha esposa com um sorriso mais enigmático que a Mona Lisa, tecia comentários em surdina com a vizinha.

Fingi não ouvir, porque quem ri melhor é o que ri por último. E ali, à frente de todos, desmanchei a embalagem, pondo a nu uma linda e cara balança. Não me preocupei em ler as instruções, antes apelei ao meu instinto para as coisas electrónicas que se resumiam em colocar duas pilhas de silício num compartimento por baixo. Quando fiz a encomenda, pedi que o idioma português já viesse programado, daí que naquele dia os procedimentos resumiram-se ao que atrás disse.

Para que não restassem dúvidas, servi-me da minha esposa como cobaia. Descalça para não riscar o lindo fundo azul, mas também para evitar que os “chanatos” contribuíssem para engrossar o carrego.

Com uma doce voz feminina a balança disse: «Vossa Excelência pesa cinquenta e cinco quilos e cento e vinte cinco gramas».

«Ó maravilha das maravilhas!» Exclamei com ar de triunfo, ao ver a cara de assombro do pessoal. A seguir fui eu para cima daquela jóia. Desta vez emitiu um sinal sonoro que me assustou e transmitiu: «Atenção!… Por favor, um de cada vez»!!!

Danado e perante o riso geral, dei a festa por encerrada. E o vinho que era para abrir para comemorar o evento, guardei-o para outra ocasião

Lorde
Enviado por Lorde em 07/07/2014
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