"BOCA BANGUELA"
Nem sempre é dela. Às vezes, o som de um berrante é a contraposição ao barulho da falsa trombeta, numa "boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar", não menos infernal que as vuvuzelas da Copa Africana aqui rejeitadas por nós. Ontem, os ruídos por aqui foram outros, menos estridentes, mas intensamente prolongados pelo impulso da emoção e ufanismo argentinos a defenderem as cores azul e branco junto ao "auriverde pendão" da nossa Pátria. Os hermanos chegaram, ocuparam os largos e longos espaços da cidade de tal forma que essa “invasão” inspirou o Correio Braziliense à seguinte manchete: A capital do Brasil não é Buenos Aires, mas...
Nem sempre é dela. Às vezes, o som de um berrante é a contraposição ao barulho da falsa trombeta, numa "boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar", não menos infernal que as vuvuzelas da Copa Africana aqui rejeitadas por nós. Ontem, os ruídos por aqui foram outros, menos estridentes, mas intensamente prolongados pelo impulso da emoção e ufanismo argentinos a defenderem as cores azul e branco junto ao "auriverde pendão" da nossa Pátria. Os hermanos chegaram, ocuparam os largos e longos espaços da cidade de tal forma que essa “invasão” inspirou o Correio Braziliense à seguinte manchete: A capital do Brasil não é Buenos Aires, mas...
Mais de 100 mil argentinos invadiram Brasília para apoiar Messi & Cia, contra a Bélgica. Além dos que vieram de avião e se hospedaram em hotéis ou casas de família, muitos, com ou sem ingressos, chegaram de carro, de ônibus e se instalaram improvisadamente nas imediações do estádio ou nas cidades satélites. As asas sul e norte do Plano Piloto revestiram-se de um manto azul e branco como se fora a Portela em desfile. Àquela mistura festiva, competitiva, mas surpreendentemente simpática e fraternal deles para conosco e, reciprocamente, pela espontânea hospitalidade brasileira, poderiam fundir-se dois belos ritmos: os tamborins do samba com acordes de bandoneóns. Mas tudo foi mais além lá pela Fifa Fan Fest, onde todos se misturaram às cores, às músicas e ritmos. Na praça de alimentação do Conjunto Nacional, quase me senti um forasteiro. Havia mais argentinos e argentinas do que brasileiros e brasileiras. Em grupos, eles andavam e sentavam-se às mesas. Descontraídos, à vontade, como se na própria casa. Por especial propósito e oportunismo o transporte coletivo da cidade está em greve e o metrô é a única opção não só para os brasilienses, mas, principalmente, para “los hermanos” eufóricos, caras-pintadas de azul e branco. Eles foram e voltaram a pé, na longa distância entre a estação central do metrô até o estádio. Quando pediam informação, os “brasileiros bonzinhos” cobriam-lhes de atenção, deles recebendo um “obrigado” com sotaque portenho e, acredite, até pediam-lhes que compartilhassem fotos.
Que coisa bacana é o esporte, especialmente o futebol. E nesta Copa aqui no Brasil, precedida de tantas incertezas, controversas, protestos, mandos e desmandos, agora ambiente e clima parecem outros. Certo que nenhum de nós perdeu a consciência e, alienado, esqueceu da Copa de outubro. Mas o momento é este que vivemos. A Copa é uma competição, não é uma guerra. É o nacionalismo sem partidos. Somos todos, “vibrados na mesma emoção”, por alguns momentos unidos por uma fraternidade universal, com mãos e idiomas se aproximando. Sem berrantes, sem trombetas e sem vuvuzelas, as bocas outras, diferentes daquela que outrora comparou a Baia de Guanabara com uma boca banguela, para o que Caetano Veloso “menos a conhecê-la mais a amara, cego de tanto vê-la, de tanto tê-la estrela, o que é uma coisa bela”.
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O Estrangeiro- Caetano Veloso.
https://www.youtube.com/watch?v=eyTnVvAgPcI