LEMBRANÇA XV

Lembro-me perfeitamente da noite em que o nosso orquidário desmoronou.

Nós morávamos numa casa conjugada dos dois lados e o quintal que além do quadrado formado pela última parede da casa mais os muros, tinha uma nesga de terreno talvez com 4,5x1,5m, para onde se abriam as janelas do banheiro e de dois dos quartos, e o orquidário foi montado exatamente nesse local por ser, quase nunca, utilizado.

Minha mãe, como a maioria das donas de casa da época, gostava de cultivar plantas porque todo sábado, depois da faxina, as casas eram enfeitadas com flores naturais.

E a nossa não era exceção.

Em cinco canteiros eram cultivadas as margaridas brancas do miolo amarelo (Chrysanthemum leucanthemum); dália de jardim (Dahlia pinnata); rosas de diversas cores (Rosa spp); miosótis (Myosotis alpestris), cajado de São José (Lilium candidum); trevo (Trifolium repens); hibisco ( Hibiscus rosa-sinensis); borboleta (Hedychium coronarium); um belíssimo pé de acácia pingo de ouro (Acacia farnesiana), que todo final de ano perdia as folhas e emitia os cachos com muitas flores, e um jasmineiro (Jasminum officinale) preso por fios de arame na borda da varanda e cujas flores, toda tarde, perfumava a casa inteira.

Na casa em frente à nossa, do outro lado da rua, morava uma professora aposentada cujo jardim era cultivado pelo senhor João, o jardineiro idoso e caladão, que cuidava de muitas plantas, entre elas, aderida ao tronco da cicadácea (Cycas circinalis), que todos chamavam de palmeira, uma orquídea roxa (Cattleya labiata).

Todo ano, no período da quaresma a orquídea emitia muitos cachos e a dona Maria Amável, a professora, por ser uma pessoa de educação refinada, sensível e muito delicada com todos os vizinhos, gostava de distribuir as flores, ou as frutas do seu quintal e, numa dessas oportunidades, deu de presente à minha mãe, uma muda da orquídea, com um cacho grande dessas flores de aroma marcante.

Esse foi o ponto de partida para termos um orquidário em casa, porque o cultivo dessas plantas é apaixonante e faz com que a pessoa queira sempre mais uma espécie diferente.

Fizemos então a armação com estroncas, dessas que são usadas em construção, para pendurar as gaiolas de madeira e os vasos de barro com substrato de coco (Cocos nucifera), xaxim (Dicksonia sellowiana) e pedregulhos, vez que todas as espécies que cultivávamos eram epífitas e devem ficar pelo menos, um metro e oitenta acima do solo.

Apesar de estar bem próxima da Região Semiárida Nordestina, a precipitação pluviométrica na cidade do Recife chega aos 2400mm por ano, concentrados nos meses de abril a agosto e, por causa das regas e das chuvas, combinadas com o sol forte entre elas, o madeiramento do orquidário foi se deteriorando sem que déssemos importância para o fato.

Numa noite de muita chuva, devido ao peso dos substratos encharcados, todo orquidário veio a baixo, quebrando vasos e danificando muitas plantas.

Os dias seguintes foram ocupados em serrar e abrir rosca em canos de ferro galvanizado para serem unidos por joelhos, tês, luvas e niples também de ferro.

Foi uma trabalheira insana, mas acredito que a armação do orquidário ainda esteja por lá, afinal os canos eram de meia polegada...