A IGREJA DOS ALTERNATIVOS
A IGREJA DOS ALTERNATIVOS
Chegará o dia em que o deus busão nos abandonará de vez: não passará por nós, nem se recorrermos aos alternativós. Não importa quanta oração (ou seria melhor dizer choração?) os fiéis pegadores de ônibus fizerem, ele não virá. Neste dia, ele não virá. Será o dia da falta de juízo final. Não adiantará fazer o ritual. Não adiantará xingar a mãe, a esposa e a filha do motorista (coisa feia, por sinal. E por sinal, sinal não haverá, até porque não haverá deus busão pra dar sinal). Não adiantará amaldiçoar a descendência do celebrante motorista, nem mesmo a do celebrante cobrador, até a trigésima sétima geração. O deus busão não virá neste dia. Neste dia, não. Céus e terra passarão, mas o deus busão não passará. Não, não, não, não passará. Não, não, não, não. E como sempre, sempre que o deus busão demora mais do que o esperado (ou o desesperado, dependendo da linha), os fiéis (não tão fiéis assim) recorrerão aos deuses alternativos. O deus busão, pra eles, acaba não importando tanto assim. O importante é chegar onde se quer chegar. Não chegar é o inferno. Demorar pra chegar, purgatório. Chegar onde se quer, e na hora, ou ainda com uns 10 minutos de antecedência: isso sim é o paraíso. Qual deus se usa para chegar ao paraíso, pouco importa. O deus que faz os fiéis chegarem é apenas um transporte, um veículo de salvação, uma ferramenta como qualquer outra. O que importa para os fíeis é irem ao paraíso da maneira mais rápida e prática que puderem. E é curioso notar naqueles que vão ao inferno que a culpa é sempre a demora da ajuda do deus, seja lá qual deus seja, que não passou na hora em que o fiel queria, e nunca do fiel em si que não cumpriu os rituais, dormiu além da conta e não acordou pra vida, desistiu de ir ou qualquer coisa do tipo. O deus busão? Não se importa com nada disso, e ainda mostra como é benevolente, permitindo que os deuses alternativos brotem de todos os lugares, como sapos e formigas de asa depois da chuva (principalmente depois da chuva, ou mesmo durante, quando o deus busão parece nos abandonar, mas só parece, e aparece depois do esperado). Parece saber que, no fundo, no fundo, bem lá no fundo, ele é feio e falho, e apesar de manter a pose de "passarei quando quiser, e salvarei as vossas vidas de acordo com minha vontade" na verdade simplesmente não tem capacidade de salvar a todos eficientemente. Assim, e por isso, os deuses alternativos fazem a sua parte. Modestos, humildes, simpáticos, sempre dizem que "cabe mais um" a cada leva salva. Quanto mais conseguirem espremer em uma viagem ao paraíso, melhor para eles. Mais fiéis conseguiram. Se valem de todo tipo de artifício possível para competir com o deus busão, e entre si, por mais fiéis. Quanto mais, melhor. Infelizmente, nem sempre nos levam tão longe quanto o deus busão, e quase sempre, pagamos bem mais caro. Mas a comodidade, muito maior. A felicidade, não sei. Não aprendi a medir felicidades. Não sei medi-la. Sei apenas que ela é algo como chegar na hora, sem roupa amassada e fedendo. A capacidade dos deuses alternativo é reduzida, eu sei, mas sua existência tem um propósito definido, assim como tudo no mundo. É importante lembrar, contudo, que eles são apenas alternativos, e quando se tornarem o principal com o sumiço do deus busão, vai dar no que previ: não aguentarão tanta choração. Os fiéis terão que apelar aos deuses próprios. Ou, melhor dizendo, "próprios e próprios dos outros": uma deusa louca chamada carona. Outra chamada moto, uma terceira chamada bicicleta... No final, os fiéis são essa massa maluca cujos xingamentos e reclamações ao deus busão tendem ao infinito, mas que nunca deixarão de amá-lo, cuidá-lo e respeitá-lo. Nunca deixaram de temer (que ele suma de novo). Mas um dia, quando o petróleo sagrado (usado nos rituais do deus busão e de certos deuses alternativos) acabar, finalmente prestaremos culto aos mais fundamentais e importantes deuses. Deuses próprios, dos quais nos lembramos apenas quando a vida e todos os deuses nos fazem passar por tribulações de todos os tipos, como pancadas nos móveis e dores diversas. Um dia prestaremos culto apenas aos deuses de pés.
Dija Darkdija