Uma crônica para um cronista

Hoje acordei com vontade de fazer diferente: no lugar de escrever uma crônica sobre um fato cotidiano, preferi escrever esta explicando como para mim nasce esta forma de escrever com arte. Tem coisas que não têm explicação e por isso recorro às crônicas. Um pedinte esfomeado na calçada de uma igreja, quando este mexe o braço ele está pedindo ou estendendo a mão? Para quem tem a felicidade sobrando ele está pedindo. Para quem está triste, o mendigo está dando gratuitamente o dom da simplicidade e muitas vezes um sorriso com poucos dentes e gratuito.

Quando se está num ônibus lotado, após um cansativo dia de trabalho, mentalmente murmurando da sorte que a vida lhe trouxe, acontece de um deficiente físico numa cadeira de rodas estar no sinal de trânsito vendendo bombons... ele nem se entrega nem reclama. Situação ideal para uma crônica se o cronista tiver sensibilidade para tal.

Fatos muito rápidos que a vida nos dá. Outro exemplo é um longo discurso de um estudante de física para uma estudante de medicina no qual tentava explicar que a vida não precisa ser levada tão a sério; demorou até chegar ao ponto principal que para um médico o trabalho com a vida deve sim ser levado à sério, mas a vida pode sim ser vivida com os ombros relaxados. Dizem que de dez em dez anos as pessoas se reinventam e reconstroem suas prioridades. O vinho já não é mais o mesmo quando bebido dez anos depois.

Quando um discípulo se decepciona com o seu mentor também pode gerar uma boa crônica. Demora mas todos, com o passar dos tempos, se mostram vulneráveis o que não quer dizer que sejam fracos. A vida continua e a ferida deve cicatrizar. Uma etapa necessária para um aprendiz se tornar professor: aprender a administrar a angústia.

Não poderia encerrar esta crônica sem falar do pipoqueiro. Grande profissional que conhecemos, muitas vezes anônimo. No entanto, foi e ainda é testemunho de tantos amores, tantos olhares que dizem tanto, presencia tantos encontros, vê tantos passantes uns apressados outros matando o tempo; este profissional sim tem muito o que ensinar.

É de exemplos como estes que tiro inspiração para minhas crônicas. Umas boas, outras apenas tímidas, mas escrevo com muito sentimento e prazer. Me sinto muito bem acolhido e que os novos cronistas sejam bem vindos.

Ricardo Monjam
Enviado por Ricardo Monjam em 05/07/2014
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