Beijo de boa noite
Devia ou não aparecer para dar um beijo de boa noite? Os bons costumes diziam que sim, tanto mais que se tratava do próprio pai. Mas não era tão simples assim, não naquele dia. Ainda pela manhã os dois haviam brigado, uma dessas brigas bobas que sempre acontece entre um pai e o filho que está crescendo. De fato, ele está crescendo. Já é um homenzinho, outro dia até um fio de barba ameaçou aparecer no queixo. Talvez nem esteja mais na idade de dar beijo de boa noite no pai. Um simples aperto de mão devia resolver, é assim que os adultos fazem. Beijo ou aperto de mão, o fato é que ele precisava decidir se daria boa noite ao pai.
Que estava sentado na sala lendo o jornal e assistindo a televisão. Passava algum programa desses sobre a Copa do Mundo, pois não se fala de outra coisa por esses dias. O pai gosta muito de futebol e ele também. Certamente teriam muito o que conversar agora que a Copa chegou a uma fase decisiva. Mas naquela hora não podiam, pois haviam brigado logo de manhã e não conversaram durante todo o dia. Nem mesmo quando o pai levou-o ao colégio. Foram os dois dentro do carro sem abrir a boca. Que constrangedor!
Quando chegaram, ele até disse alguma coisa para se despedir do pai, mas foi enquanto fechava a porta e começava a caminhar, nem olhou para trás, não serviu como reconciliação. E se ele fizesse a mesma coisa agora? Fosse lá, desse o beijo de boa noite e saísse ligeiro sem ver a reação que havia causado? Talvez fosse melhor fazer de conta que nada aconteceu mesmo, sem aqueles pedidos de desculpas que mexem outra vez na ferida e que às vezes causam um estrago ainda maior. Ele nem mesmo continuava ofendido e tinha certeza que o pai também não. De fato, bastava ir até lá e agir normalmente.
Olhou outra vez para o pai na sala e criou coragem para entrar. Deu os primeiros passos em direção a ele, mas no meio do caminho achou que talvez não fosse uma boa ideia. E, sem que o pai desse pela coisa, fez meia volta e foi dormir.