Sabe de nada, inocente!

Mostrei a ela uma página bobinha que havia escrito. Ela leu e disse que achou tudo muito bonito, parecia um texto de época. Não entendi o que ela quis dizer com isso, pois até então eu achava o texto bem contemporâneo. Ela explicou que era improvável a existência em nossos dias de personagens tão ingênuos e inocentes. Embora eu soubesse que aqueles personagens existiam e viviam no presente, fiquei pensando se a inocência já pode ser considerada coisa ultrapassada.

Inocência é, de fato, uma coisa muito antiga, do tempo do Visconde de Taunay. E talvez ela não tenha lugar pior para florescer do que aqui, nestas terras de Vera Cruz. Ora, a inocência é o próprio anti-Brasil, pois se a cultivássemos teríamos que largar a malandragem, e se tem uma coisa que gostamos de considerar típica do brasileiro é a malandragem - “no bom sentido”, é claro. O próprio Deus se tornou brasileiro para que possamos exercer a malandragem sem culpa. Não se espera de um inocente que conheça as artimanhas do nosso bom e velho jeitinho brasileiro. Assim, se há inocentes, deve ser em outro país. Na Ásia, por exemplo. Sempre me pareceu que os asiáticos são mais inocentes do que nós – e quem duvida basta observar a zaga da Coreia.

Ou seja, aos que ainda acreditam no que ouvem, que não enxergam malícia ou segundas intenções, que são passados para trás, que sem perceber deixam passar oportunidades de levar vantagem, que a mentira nem chega a passar pela cabeça, que não conhecem os atalhos, que fazem coisas de graça, que ajudam quem não merece, que são tidos como otários, que são acusados de não serem tão ingênuos quanto dão a entender, que são motivo de chacota, que não entendem as piadas, que fazem perguntas bobas, que ficam sem jeito, que coram de vergonha, que são românticos, que amam platonicamente, que continuam virgens, que têm esperança, que acreditam que ainda é possível fazer alguma coisa para mudar o mundo, só resta uma coisa a dizer:

- Sabe de nada, inocente!

milkau
Enviado por milkau em 02/07/2014
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