Como se fosse uma visita

Vicência Jaguaribe

18/04/2014

Aportou como se fosse apenas uma visita. Chegou com uma amiga da dona da casa, que lhe fez festa. Ficava muito feliz por ela ter ido. Tinha-lhe um carinho especial e achava-a extremamente graciosa. E com aquele vestido amarelo, que realçava o bronzeado de sua pele, então! Levou-a para a varanda onde ela se juntou às outras visitas. Festejava-se o aniversário da senhora, que fazia questão da casa cheia.

A senhora estava mesmo feliz. Há muito esperava que fosse passar uma temporada com ela. Sentia falta de alguém assim: discreta e agradável. Que lhe fizesse companhia, que lhe preenchesse o ninho vazio, agora que o marido morrera e os filhos se foram para constituir novas famílias. As suas famílias. E, enquanto os netos não chegavam, sentia-se realmente muito só. Mas não alimentava a esperança de que ela ficasse muito tempo. Era, por natureza, volúvel e volátil, embora ninguém fosse capaz de perceber isso, a não ser após longa convivência.

Tinha a natureza delicada de um pássaro, por isso não criava raízes profundas; e pedia pouquíssimo espaço. Comia frugalmente, daí aquela silhueta que mais parecia a de um ser de outro mundo. Um mundo onde ainda imperava a delicadeza e não havia violência. Um mundo onde todos os seres viviam em comunhão.

Mas ela, que fora só de visita, foi ficando, sem exigir muito. Acordava cedo e tomava sol. Era bom para a saúde, dizia. Bebia um pouco de água na temperatura ambiente. Estava pronta para mais um dia. Vestia quase sempre um vestido verde, uma de suas cores preferidas ¬– tinha muitos dessa cor, em variados tons, às vezes, com pequenas flores amarelas à guisa de estampa. Ou amarelo – outra cor de sua predileção.

A senhora admirava-se por ela ainda tardar. Nada dizia, porém, para não quebrar o encanto, como se repete por aí. Havia dias em que amanhecia triste, meio acabrunhada, mas logo adquiria o viço dos seres fortes e corajosos.

Aos poucos, sua silhueta ia-se encorpando. Ela sentia-se mais forte. Comia mais e bebia mais. Desaparecia o aspecto lânguido. Às vezes, pensava haver perdido sua natureza volátil e volúvel. E entristecia-se. Seria mesmo? Não se pode afirmar nem negar nada a esse respeito, sob pena de se cometer um sacrilégio. Que mistérios não envolvem os seres deste mundo, sobre os quais (mistérios ou seres ou mistérios e seres?) só se pode conjecturar! De repente, porém, não se sabia bem o motivo, voltava a emagrecer e reaparecia a languidez.

Um dia, no entanto, ela definhou e disse adeus. Já havia ficado muito mais do que se previra. Não se podia reclamar. Foi-se vestida de verde, de um verde desbotado pelo tempo, de tanto que ela ficara. E sem as pequenas flores amarelas estampadas.

No pequeno jarro onde ela viveu – nasceu, cresceu, floresceu murchou e morreu, foi plantada uma muda de saudade.