A BOLA ROUBADA

Eu vivia olhando a molecada jogar futebol com uma bola velha, murcha, toda remendada, com uma puta vontade de estar entre eles. No quintal, sozinho feito um doido, chutava de um lado ao outro uma bola de meia.

Eu acho que um pirulito jamais foi o desejo maior para uma criança do que uma bola de futebol é para mim. Eu sonhava em ter uma bola de futebol.

Meu pai de tanto me ver chutar aquelas bolas de meia que minha mãe fazia, esperançoso resolveu apostar na evolução de um futuro craque de futebol. Comprou uma bola de capotão de verdade.

- Ela é minha, meu pai? Perguntei todo emocionado olhando aquele tesouro que das mãos de meu pai passava para as minhas.

- É sim meu filho! Respondeu ele todo feliz vendo o brilho de alegria em meus olhos.

Olhei demoradamente aquela bola, e por alguns minutos, tal qual um altista, eu não ouvi e não vi mais ninguém. Era eu e a bola apenas.

A bola assim, tão linda, eu só a conhecia pelas figurinhas ou estampadas em jornais.

Peguei-a, amacei com meus dedos, encostei demoradamente em meu peito, joguei-a para cima por diversas vezes, e desajeitadamente desferi o meu primeiro chute nela. Meu pai gostou e até aplaudiu. Fui busca-la no meio do quintal.

Apeguei-me tanto aquela linda bola que ao dormir levava-a comigo todas as noites. E assim comecei fazer dela minha confidente. Tinha sonhos radicais em jogos imaginários. Eu fintava, corria com a bola no pé, dava chutes e marcava gols.

Durante o dia arriscava-me a sair do portão de casa e proporcionar, para a molecada, momentos breves de chutes numa bola nova de verdade. Como minha habilidade futebolística permanecia apenas em sonhos era colocado onde ninguém queria, no gol.

Eu ficava amargurado olhando aqueles dedos de pés descalços, de unhas sujas e compridas, dando bicudas e esfolando o meu querido capotão, e isso me deixava extremamente aborrecido. A cada chute eu via verter dela sangue ouvindo seus gemidos desesperados.

Quando minha aflição tornava-se imensa, pegava a bola e ia para casa ouvindo atrás de mim desesperados os moleques gritarem.

- Fica mais um pouco! Nós deixamos você jogar na linha! Fique por favor!

E eu desaparecia com minha bola debaixo do braço fechando o portão de casa.

Um dia, o cansaço dos folguedos fez-me buscar a cama bem mais cedo. Não levei comigo a querida bola. De manhã, ao acordar, fui desesperado a procura dela.

Foram inúteis os meus chamados, foram cansativas as minhas buscas por todo o quintal. Desesperado eu sentei e comecei a choramingar.

- Quem pegou minha bola? Perguntava inutilmente para ninguém.

- Você a deixou abandonada no quintal, e com certeza o leiteiro pegou! Alguém falou dando a sentença final.

Perguntei ao leiteiro no dia seguinte e ele disse que não tinha pegado, e que não tinha visto bola alguma.

Algum filho de uma puta entrou a noite no quintal e pegou então.

Dias e dias, em busca desordenada, procurei pela minha bola de futebol.

Desalentado então, muito tempo depois, conclui:

- Sem meu capotão nunca mais conseguirei jogar com a molecada!

Desesperado pensava:

- Por onde ela andará? Que pés malditos estarão maltratando a coitada?

O tempo amaina o nosso sofrimento, mas não nos faz esquecer.

Ele é cruel e faz-nos envelhecer.

Com certeza ela ficou feia, murcha e remendada rolando com as bicudas de pé em pé.

Malditos sejam esses pés com dedos sujos de unhas compridas que flagelaram e com certeza acabaram com o meu capotão! Nunca mais tive uma bola tão linda assim.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 30/06/2014
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