o Gladiador e a Arena
Tudo muda com o tempo. E em muitos casos a nossa assimilação é rápida.
Não nos referíamos antes aos estádios de futebol como “arenas”. Mas não podemos deixar de reconhecer hoje como é precisa a designação. Comparável em tudo aos espaços da antiguidade destinados às competições entre gladiadores. Que tinham como objetivo, em princípio, o divertimento do público.
Nas arenas de hoje, muitas vezes o atleta é também um gladiador. Que entra em campo como se estivesse despido. Na medida em que se mostra inteiramente, dependendo da especificidade da partida. Como no caso do jogo de uma Copa do Mundo em que ele defende a equipe cuja nação sedia o torneio.
Nessa hora, não há espaço para a atuação pseudo-descontraída dos comentaristas esportivos, dos âncoras que atuam nas transmissões, com seus risos falsos ou empostados, suas piadinhas sem graça ou intervenções pretensamente inocentes ou neutras. Com seus maxilares cansados de estar por bom tempo na mesma posição do riso gratuito ou da gargalhada que não existe.
No campo, não. O atleta enfrenta ao mesmo tempo diversos leões. Recebe inesperadas mordidas, chutes, socos, violentas agressões disfarçadas na disputa de um lance, ou agressões do nada, às vezes até quando se encontram “fora das quatro linhas”. Faltas não marcadas ou marcadas indevidamente. O cartão amarelo ou vermelho que devia ser usado e não foi. O gol invalidado indevidamente. Os dois pênaltis que conseguiu defender com milhares de olhos ali na arena em cima dele, além dos da televisão. O pênalti que teve de converter sob a mesma expectativa. E vários outros leões.
Situação só comparável à dos pilotos de carros de corrida. Cujo leão a enfrentar na arena é a própria vida. Quando a colocam à disposição do público a cada competição. Como faz quem aciona o gatilho na roleta-russa, só por brincadeira.
Esses homens têm que ganhar muito dinheiro.
E quando, ao final do jogo, desmancham-se em lágrimas diante das câmeras, reconhecidos como heróis por seus companheiros, também gladiadores, as lágrimas que produzem não são falsas ou artificiais, como seriam certamente as de quem os entrevista ou comenta a sua atuação na telinha. São, no mínimo, inocentes.
Rio, 29/06/2014