Tabu: um caso entre Jose-fé e Loloca
Os Tempos... Ah, estes senhores que nos divertem ou nos faz chorar e lembrar!
Isto! De repente ele nos dá uma chicotada, como o domador faz com suas feras, e nos causa saudade ou repúdio daquilo que foi passado – dores, dores... nos domam.
Sempre o Tempo monta em nossas costas e nos faz carregá-lo. Carregamos a vivência e experiências da vida. Ainda que não queiramos ou ainda que alguns digam que se esqueceu de seu passado e outros, iludindo ou mentindo, dizem que vivem só de Presente.
Não é o passado um presente que se viveu épocas atrás?
Tabu!
Cada tempo teve e tem o seu. Ou isto nos fere ainda ou isto nos diverte. Já disseram que as pessoas realmente felizes são aquelas que conseguem rir de seus erros, de seus medos e de suas vivências. Alguns insistem em afirmar que jogam tudo do passado no esquecimento – ilusionistas, infelizes ou mentirosos (mentem para si mesmos).
Foi-se o tempo de Jose-fé e Loloca.
Esclareço que Loloca era aquela moça da fazenda que veio aprender corte e costura com a prima costureira.
Réguas, papéis, tesouras para o molde centesimal e fazendas de tecidos para a roupa ser moldada. Centésimos, pinças, pregas, agulhas, alfinetes e máquina de costura não eram para a moça acostumada com medidas de quitandas: broas, biscoitos, bolos... O seu espaço não era o ateliê – ou oficina como dizia a avó de ambas, costureira e moça; ou quarto de costura como denominava a mãe da costureira e tia da moça.
Loloca cansou de pespontos e alinhavos, retroses e carretéis. Aproveitou o tempo na cidade e arrumou um namorado: Jose-fé.
Jose-fé? Sim, para quem era conhecida como Loloca, este substantivo próprio para escrever em corações desenhados em papel-manilha estava de bom grado. E o problema não era o nome do rapaz.
O escândalo se fez quando a família da moça da roça descobriu que Jose-fé estava matriculado na Escola Normal da cidade e pretendia se formar professor primário.
Imagina aquele rapaz matriculado em curso para moças aprendendo didática, puericultura e todas estas “coisas de mulherzinha”. E queria ser professor de Grupo Escolar?!
A família da costureira, peritos em rótulos sociais, decretou: “É um 24!”. Número que estigmatizava todos os rapazes suspeitos de homossexualidade. E as falas complementavam-se: “24 é o número de ‘viado’ no jogo de bicho!”.
Loloca desistiu do aprendizado de costureira, mas não de Jose-fé. Levou-o para apresentar aos pais.
Apresentou: “Vai formar-se professor”!
Para receber convidados para o noivado era preciso encerar as tábuas corridas do assoalho da casa que antes nunca havia sido lustrado. Jose-fé se prontificou para o serviço.
Para a festa dos nubentes era preciso fazer quitandas. Jose-fé foi logo medindo fubá, farinha e banha de porco.
Ah! Quando na cidade se soube que Jose-fé, além de normalista, era rapaz dado às prendas femininas... não restou mais nenhuma dúvida. Jose-fé era! Tinha-se certeza absoluta. E as línguas maldizentes da vida alheia laçavam especulações: “Ele deve saber bordar também!”
Com tanto agouro o caso estava perdido. Aquele namoro gorou-se.
Jose-fé foi para São Paulo e Loloca casou-se com o primo da roça. O primo de Loloca fazia juras de amor a ela, mas gostava de certas brincadeiras com os agregados da fazenda.
E a família da cidade dizia: “É o fim do mundo. Bem já se disse que passou de mil, mas não passa de dois mil. A revolução gay dos anos 70 já chegou até na roça!”.
Cenas coletadas de outros Tempos e agora registradas aqui: ocaso de amores por trás de preconceitos.
Leonardo Lisboa
Barbacena, 28/06/2014.