Crônicas do improvável: O mundo dá voltas

“Só queremos ter uma chance de acertar quando erramos o suficiente para não ter mais volta”.

Definitivamente, acompanhar os últimos momentos da sua própria vida não é uma experiência muito agradável. Todo mundo já deve ter fantasiado algo a respeito. “O que você faria se soubesse que vai morrer em alguns minutos? Sexo? Festas? Compraria coisas pelas quais jamais iria pagar? Aproveitaria os últimos momentos com a família e com aqueles a quem ama?”

A única companhia de Teobaldo em seu momento fatídico era o Monitor Cardíaco, apitando lenta e pesarosamente. Os amigos sumiram com a mesma velocidade que seu dinheiro. Quando descobriu ser portador de uma doença grave em estado avançado, o dinheiro gasto com festas e mulheres rareava e não era suficiente para cobrir o tratamento. Sem mais dinheiro para financiar festas históricas como outrora ou mesmo emprestar sem nenhum critério a quem quer que fosse, os parentes e amigos simplesmente desapareceram.

Teobaldo definitivamente esperava um final diferente para sua vida, mas não adiantava mais ficar adiando o encontro com a morte. As dores eram insuportáveis e a solidão doía ainda mais. Sem nada a perder, virou-se para a pequena bancada ao lado de sua cama e pegou pela última vez a declaração que autorizava o desligamento dos aparelhos que o mantinham vivo.

Assinou evitando pensar em tudo que passara nos últimos seis meses e apertou a campainha para chamar a enfermeira, que logo apareceu à porta. Nunca havia reparado nela direito. Acostumado com as belas mulheres que o dinheiro atraia, pouca atenção prestava àquelas menos privilegiadas pela natureza.

Tamara era cheinha, pequena, tímida, mas tinha um rosto bastante atraente. Falava pelos cotovelos, passava o dia todo contando a Teobaldo passagens de sua vida, mas o máximo que arrancava dele era uns “Uhuns” e “Hmms” desinteressados.

Assim que entrou no quarto, ela percebeu a gravidade da situação. Rapidamente pegou a declaração, abraçou Teobaldo apertado e saiu contendo as lágrimas.

Alguns minutos mais tarde, um homem muito sério entrou no quarto, aparentando não mais de 40 anos, mas com os cabelos já rareando aqui e ali. Pediu secamente se Teobaldo desejava algum ultimo pedido, que negou prontamente, sentindo-se atordoado.

Sem mais delongas, o homem desligou os aparelhos e sem dizer mais nenhuma palavra foi embora. Agora era questão de minutos até seu coração parar de bater. Teobaldo deixou-se levar por pensamentos vagos, aos poucos foi esmaecendo e apagou.

*

O céu parecia muito com seu quarto de hospital, até o relógio estava lá, haviam-se passado umas 4 horas. Teobaldo levantou a cabeça procurando algum anjo, algum santo, mas quem encontrou foi Tamara, sentada em uma poltrona a seu lado cochilando. Deixou escapar um grito assustado que a acordou. Ficou imaginando que tipo de situação passava um sujeito que morria. Mas não demorou muito a perceber que não havia morrido de fato.

- O que está acontecendo aqui? Eu não estou morto?

Tamara não respondeu imediatamente, o que fez Teobaldo ficar impaciente.

- Responde sua idiota! Que foi? Vai ficar ai me olhando com essa cara de quem comeu e não gostou? – Tentou avançar contra a mulher para lhe tirar alguma informação à força, mas não conseguiu levantar seu corpo.

Abismada com a reação de Teobaldo, Tamara entrou em choque e saiu do quarto correndo e chorando. Teobaldo tentou levantar, ainda mais irritado, mas logo descobriu que sequer tinha forças para tocar a campainha.

*

Depois de alguns minutos, o que pareceu uma eternidade, a porta de seu quarto abriu e o mesmo homem que lhe desligara os aparelhos entrou calado e tão sério quanto na última vez que se viram.

Teobaldo se apoiou nos braços e ergueu seu tronco o máximo que pôde.

- O que aconteceu aqui? Ninguém vai me dar respostas?

- Fique calado! – Respondeu o homem rispidamente. – Você já causou problemas o suficiente por aqui.

- Mas o que está acontecendo? Não era para eu estar morto?

- É o que você merecia, mas infelizmente não é o que pensa a Dra. Tamara.

- Doutora Tamara?

- Sim idiota. A “enfermeira” que o atendia é uma das médicas mais conceituadas do país e dona deste hospital. Ela era sua vizinha e foi sua colega de escola por mais de 10 anos, ela sempre foi apaixonada por você, mas você nunca lhe reparou. Acontece que ela pagou e realizou todo o seu tratamento, mas preferiu fazê-lo às escondidas, sem revelar para você, esperando que mudasse sua atitude e personalidade com a morte eminente. Parece que não foi o que aconteceu.

- Meu Deus! – Respondeu Teobaldo chocado e eufórico com a nova chance que a vida lhe dera. – Eu preciso falar com essa mulher. Ela é um anjo. Preciso conhecê-la melhor.

- Não creio que seja possível, talvez seja tarde demais. Você a magoou profundamente. Não consigo imaginar que ela queira continuar arcando com as despesas do seu tratamento que entra agora na etapa mais crítica. O mundo dá voltas meu filho.

Luis Fernando Ribeiro
Enviado por Luis Fernando Ribeiro em 27/06/2014
Código do texto: T4860984
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