Na correria do século passado

Quem conhece Olavo Bilac apenas pelos seus poemas parnasianos irá se surpreender quando ler os combativos textos que escrevia nos jornais do Rio de Janeiro. São repletos de indignação e duras críticas ao que considerava errado em sua cidade. De um dos seus textos, pesquei uma curiosa análise sobre como era a vida no ano de 1907:

- O público tem pressa. A vida de hoje, vertiginosa e febril, não admite leitura demoradas, nem reflexões prolongadas. (…) O século não tem tempo a perder. A eletricidade já suprimiu as distâncias: daqui a pouco, quando um europeu espirrar, ouvirá incontinente o “Deus te ajude” de um americano.

Eu sempre achei que a vida no tempo dos meus bisavós fosse bem mais pacata, mas aí está o Bilac chamando-a de “vertiginosa e febril”. Com quais adjetivos ele classificaria a vida de hoje? Não fosse pela eletricidade, a frase poderia muito bem passar como atual. Aliás, quem diria que já naquela época as distâncias estavam suprimidas!

Dez anos depois, também o Lima Barreto fazia queixas semelhantes:

- Nesse atropelo em que vivemos, neste fantástico turbilhão de preocupações subalternas, poucos têm visto de que modo nós nos vamos afastando da medida, do relativo, do equilibrado, para nos atirarmos ao monstruoso, ao brutal.

Estamos falando de 1917! E eu achando que foi apenas depois da Internet que desistimos do equilibrado para nos atirar ao monstruoso e brutal. Que correria devia ser essa vida em 1917!

Passa-se outra década e, em 1928, é a vez do Monteiro Lobato fazer a sua profecia:

- A primeira vítima da televisão vai ser a velha e boa Saudade, que no fundo é filha da Lentidão e da Falta de Transportes. A saudade desaparecerá do mundo. Em breve futuro a palavra ‘longe’ se tornará arcaísmo.

Bem se vê que, de lá para cá, foi apenas a palavra arcaísmo que se tornou arcaísmo. Imagine, o fim da saudade! Só não digo que tecnologia nenhuma irá acabar com ela para evitar que, daqui a um século, apareça alguém me desmentindo.

milkau
Enviado por milkau em 26/06/2014
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