Melhor que o meu pai
Gosto quando meu pai brinca comigo, mas não é sempre que isso acontece. Ele trabalha muito. Não sei por que naquele dia ele estava mais folgado do que de costume. Chegou em casa e ficou vendo a gente jogar pingue-pongue. Ultimamente a gente tem jogado quase todo dia depois da escola. Reúne uma galera da rua aqui em casa. Não é para me gabar, mas sou um dos melhores da turma. E depois que comprei uma raquete de profissional mesmo a coisa ficou ainda melhor para mim. Teve um dia até que eu consegui ficar com cinco vidas (você sabe, a gente ganha uma vida quando derrota todo mundo na mesa). É claro, um ou outro está no mesmo nível que eu, mas a maioria é mesmo muito fraquinha. E naquele dia meu pai ficou assistindo a gente jogar.
Talvez de tanto ver que a gente realmente se divertia jogando aquilo, talvez para desestressar e esquecer alguma frustração no trabalho, meu pai entrou então na fila para o rodízio. Meus amigos foram ao delírio com aquilo. Porque era exatamente quando eu estava na mesa vencendo todo mundo, e se havia alguém com mais chances de me derrotar era o meu pai. Fazia tempo que a gente não jogava junto, mas sou obrigado a admitir: ele era melhor do que eu. Mesmo assim, eu estava confiante e venci os três ou quatro que estavam na fila antes dele. Quando chegou a vez do meu pai, parei para respirar.
Aquele era um momento decisivo em que toda a minha habilidade seria posta à prova diante dos meus amigos. Se eu ganhasse de um adulto como o meu pai, para quem haveria de perder? Resolvi complicar para ele logo no saque e encher a bolinha de efeito. O resultado foi o esperado: meu pai se atrapalhou e só conseguiu rebater a bolinha torta, torta, para longe da mesa. Disse-me então: “Mas também, esse saque não tem como pegar”. E sorriu amarelo, se afastando para dar a vez ao próximo da fila. Enfim: eu havia vencido o meu pai. De forma tão indiscutível que ele até passou vergonha. Agora eu era melhor do que ele. E aquilo me doía muito.