Até que...

Todos os dias, a tristeza débil. O sol a pino lá fora. A mesa em que dispunha os papéis avulsos, cadeiras cansadas, móveis indistintos de si. Todos os dias, àquela hora – de melancolia e ingratidão –, havia a seriedade do tempo, presente e sólido, em sua busca por um pouco mais de ausência entristecida, quem sabe sondar os limites etéreos do ser, a vagueza da maré em ritmo de escrúpulo. Todavia, sim, a tristeza móvel, os silêncios transeuntes em sua cabeça, alguns episódios diluídos entre a saudade e a covardia o dominavam, e então, atrelado à consciência dúbia da desesperança, deixava-se estar com os saldos restantes. Olhou em volta de si. Meio dia e três no relógio da cozinha, alto e só.

Sobressaltou-se em um sorriso histérico e violento, a busca expulsando-o para longe de si, hostil em sua frivolidade mais profunda e, quem sabe, por isso mesmo superficial para os sentimentos sem a substância e a miséria que um cotidiano precioso imprime ao ritmo humano e o cansaço próximo dos que, por falta de alternativa, vacilam. Dos que lutaram e falharam não pela covardia, mas mais mesmo pelo terrível poder da indiferença em cada presença definitiva que, inconscientemente, os destinos, tortos e imprudentes, haviam lhe oferecido. Atingindo a meta de si, não era necessário mais nada, e o pouco que lhe chegava através dos jornais e da televisão sintonizada em um único canal era suficiente para as despesas que uma vida exige, embora caminhando entre o ridículo e a singeleza improdutiva.

Olhou para as mãos, os sapatos evidentemente gastos, a expressão de sua condição enfim alcançavam o limite estéril em que corpo-mente-espaço se fundem em um organismo que, se não faz sentido, ao menos aliviam a esquivança trágica dos abismos celestiais. De onde vem a calma?, perguntou-se, inútil e resignado. Sua maior solidão não era o estar sozinho, que é esse mesmo o destino invulnerável, mas a conquista amarga de sua posse própria, então mesquinha e tão instável. Olhou com enorme insuspeita para os sapatos velhos, as mãos, para dentro de si como para dentro de uma geleira insondável.

Graças a terrível violência das coisas mornas, a felicidade lhe surpreendeu em plena quinta-feira cinza, dia em que, geralmente, era dedicado a qualquer esperança sedativa, razão inconsistente ou válvula de escape o qual suprimia sua estrutura volátil com conversações tolas, resquícios e saldos atrasados. Hoje, porém, não havia saído, e a angústia prevalecera inconteste.

Até que, por mirabolantes processos insuspeitos, tomou o chapéu, um café fresco, colocou seu melhor terno e atirou-se na lagoa Rodrigo de Freitas.

Fernando Marini
Enviado por Fernando Marini em 26/06/2014
Código do texto: T4859295
Classificação de conteúdo: seguro