Reflexões metafóricas

A existência de Deus só pode ser compreendida metaforicamente. Qualquer tentativa de racionalizá-la seria catastrófica. Deus não é resultado, mas indício. A ‘Máscara de Deus’ é um tipo apropriado de comparação: ao mesmo tempo em que mostra, esconde. A ambiguidade divina motiva a fé, espécie de aceitação de uma delícia inacessível.

Fosse Deus revelável facilmente, sentiria muita pena. O mistério é sempre circunstancial: não jaz nas categorias do absoluto. O sagrado, desta forma, é relativo: é o que não é, um paradoxo sustentável. Daí a experiência mística, o êxtase celeste, não poder ser explicado, mas apenas sentido. Descartes, em sua concepção divina, pecou naquelas classificações metodológicas, pois o racionalismo divide o que é para ser integrado. Experimente analisar simultaneamente a letra de uma música enquanto a ouve, e você perdê-la-á. O objetivo final é fruição, gozo sacramentado dos iniciados.

Mas, voltando à metáfora, esta intimida, pois o que é inapreensível pelos sentidos incomoda. Quando não compreendemos, metaforizamos, e, assim, transferimos o problema para uma instância poética. E a metáfora, por excelência, abre-se ao múltiplo. Daí haver tantas religiões, cada qual interpretando a metáfora à sua maneira, querendo impor uma verdade absoluta ao que é, naturalmente, relativo.

O ateísmo é a negação da possibilidade metafórica. E, como negar é ainda afirmar, o ateu tende a um racionalismo frio, fechando-se em seu casulo científico. O agnóstico, por sua vez, tem a metáfora nas mãos mas nãos abe como explorá-la. Vive num distanciamento perigoso. Diz a Metáfora a ele: decifra-me ou devoro-te. Não sabendo nem querendo compreendê-la, é tragado pelo demônio do dilema, pai de todas as dúvidas, cobrando suas dívidas daqueles que ficam em cima do muro.

A metáfora, ao contrário do que possa estar parecendo, não afirma nada. Ela espraia horizontes. Destituída do poder sintético, cristaliza possibilidades. Antes de elucidar, ilude. Fosse mulher, seria Capitu (um possível engodo torturante). Fosse animal, camaleonaria-se. Metaforicamente, seria nuvem, com sua metamórfica condição de nunca chegar a ser. É mágica bem sucedida – ou milagre religioso. É a metafísica prática. São as sombras que perpassam a caverna de Platão: não sendo reais, são ainda válidas e visíveis. É uma sutileza incompreensível. O Diabo também é metafórico, mas possui uma existência nitidamente palpável. E Deus não. Nunca é resultado, mas indício.

Indício de que a criação é a metáfora da vida.

Fernando Marini
Enviado por Fernando Marini em 26/06/2014
Reeditado em 26/06/2014
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