SÓ O PODER PÚBLICO NÃO SABE

Mossoró, no Mossoró cidade junina, tem o maior concurso de quadrilha do estado do Rio Grande do norte. No geral reúne, em média, cerca de cem grupos juninos divididos em categorias:Tradicional municipal adulta, estilizada municipal adulta, tradicional municipal infantil, estilizada municipal infantil, concurso de quadrilha zona rural, tradicional estadual, estilizada estadual e concurso de quadrilha interestadual.

A alegria de vestir o figurino representativo de um ciclo cultural de chuva, fartura, fogueira e tradição da mais variada. Aqueles revestidos dos costumes do homem do campo de antigamente, em trajes rejuntados e maquiagens exageradas, e aqueles travestidos do luxo, da elegância, dos afortunados. Todos caipiras! Todos personagens imbuídos de satisfação para, de corpos e almas, fazerem o melhor, na arena, em nome do seu grupo junino.

Pessoas de várias idades: crianças asseguradas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, jovens de interesses diversificados, homens, mulheres, adultos e pessoas da terceira idade, gente dedicada ao trabalho, anônimos esquecidos, quase nunca lembrados pelo poder público. Cada um com uma determinação: brincantes apenas, figurinistas, maquiadores, cabeleireiros, coreógrafos, costureiras, cenografistas, aderecistas, sonoplastas, músicos, cantores, produtores... Todos envolvidos com o processo de construção, montagem, planejamento, orçamento - vendagem de rifa, bingos, feijoadas, campanhas de arrecadação de dinheiro nos sinais, patrocínios, pagamento de mensalidades - .

Só o poder público não sabe...

As dificuldades de cada grupo. O que cada um passa para poder brilhar na arena, na noite, muitas vezes, apenas uma noite. Não sabe que não é apenas o trabalho da montagem da dança, mas por trás de tudo tem a amizade, a preocupação, a interação, a convivência, a participação na vida de cada um e o código de conduta acertado pelo grupo. Quantas pessoas envolvidas! Quantas vidas salvas de tantos males sociais: Crianças que poderiam estar envolvidas com outras formas de diversão que a vida proporciona; jovens que poderiam estar envolvidos com o mundo da droga, do crime, da violência, do roubo; jovens meninas que poderiam estar engravidando antes do tempo, perdendo sua juventude; homens envolvidos com condutas antiéticas; mulheres sem a mínima condição digna; adultos que poderiam estar antenados com outros valores... Valor de um prêmio que não paga! Grupos que disputam um valor que não paga os valores desenvolvidos por cada grupo individual.

Só o poder público não sabe...

Paga-se mais a uma banda - tida como atração principal - que vem, canta um repertório cheio de ostentação, expressões e palavras que agridem a imagem da mulher, faz apologia ao crime, instigam a violência e o erotismo desenfreados, enquanto, às quadrilhas, apenas migalhas. Um prêmio mínimo, um valor muito abaixo ao que se gasta, com suor, esforço e dedicação. Um valor que não dá certeza de que no ano seguinte o grupo volte, continue o trabalho, reúna tantas pessoas em prol de uma verdade pautada no afeto, na esperança e na solidariedade.

Bom de se ver é a fidelidade do público, gente que sai de casa destinada a assistir aos espetáculos dos grupos; gente que madruga nas arquibancadas e vão embora somente quando os grupos se vão...

Daí me vem a lembrança passada, quando, no ano de 1992, a gente inventou de brincar de quadrilha, no bairro Barrocas, periferia da cidade de Mossoró, criamos a quadrilha Sensação. Nesse ano não tínhamos condição de comprar roupas, saímos pelas casas dos amigos e familiares arrecadando roupas usadas, montamos o primeiro ano e a vontade de seguir em frente. Não era apenas um grupo de quadrilha, era uma amizade nascida a partir de um trabalho junino: nos tornamos responsáveis pela vida um dos outros em uma periferia conhecida pela droga, marginalização, violência... Nos tornamos o grupo mais conhecido da cidade e conseguimos mudar a realidade da vida de tanta gente. Hoje pais de famílias responsáveis. Do trabalho de quadrilha, quantos outros trabalhos conseguimos realizar: dia das crianças, celebração de aniversários, viagens, dias das mães, teatro, dança, circo, noitadas de diversão em grupo...

Só o poder público não sabe...

Que esse trabalhos são eficazes, deveriam ser mais respeitados, reconhecidos não com migalhas de prêmios que não pagam nem o transporte, mas com leis de fomento à cultura popular. Esses grupos necessitam de um olhar mais aguçado do poder público. já pensou da cidade junina sem quadrilha!

O Mossoró cidade junina tem uma dívida grande com a cidade de Mossoró. O evento acabou com as festas de bairro, com os grandes arraias conhecidos nos quatro cantos da cidade, como fez muitos grupos de quadrilha desaparecer... Antigamente existia os espaços, os arraias de rua e a gente saia de casa cedo e voltava tarde da madrugada, dançávamos sete, oiti vezes por noite... Agora é muito investimento por quase nada! Os grupos são fadados ao cansaço.

Só o poder público não sabe, mas...

Mossoró precisa pensar/repensar esses valores e valorizar mais esses grupos, com valores mais abrasivos, afetivos, de reconhecimento por um trabalho que não é apenas cultural, mas educativo, social, de formação para o protagonismo cidadão. Necessita de uma lei de incentivo a cultura popular, além de criar um espaço como templo desses grupos, porque não dizer revitalização do espaço: Arte da Terra! Porque não fazer daquele espaço um de cultura popular: As quadrilha poderiam ser responsáveis pelas apresentações culturais já que hoje em dia temos tantos artistas anônimos necessitados de oportunidades de mostrar e aperfeiçoar suas habilidades artísticas. As lojas poderiam ser entregues aos grupos de quadrilhar para promover o que está na política do Ministério da Cultura: a sustentabilidade dos grupos!

Só o poder público não sabe e poderíamos ficar aqui dizendo e sugerindo tantas outras coisa...

Já imaginou uma lei chamada: Lei DONA MARLENE (criadora da quadrilha Zé Maturo), ou Lei CARLOS MASTRÂNGELO ( brincante da quadrilha Sensação)... Só o poder público não sabe porque muitas vezes o poder é público, mas os políticos e gestores não são, por isso não têm essa sensibilidade de reconhecimento e identidade com a cultura popular.