Ramon chega aos 40

Ramon fará 40 anos semana que vem. Está pensativo. Ele se pergunta se alguma coisa vai mudar na sua vida, se ao cruzar a linha divisória entre as duas décadas ele será outra pessoa. Fará coisas diferentes? Seu ânimo vai mudar? Deixará de ser o Ramon dos 30?

Talvez ele compre uma bicicleta de trilha, das profissionais, uma bermuda coladinha, apertada (para marcar bem a genitália) e todo o equipamento necessário: capacete, óculos, sapatilhas, medidor de distância, lanterna, squeeze, etc., e saia por aí com seus amigos, a maioria quarentões como ele, mas alguns na faixa dos 30 (para dar um ar de jovialidade ao todo), e com eles tire fotos e mais fotos de suas aventuras por estradas de chão e trilhas, para depois postar nas redes sociais. Quem sabe?

Talvez reduza sua carga horária de trabalho, ou peça demissão de vez, e vá escrever um romance, projeto que vem protelando há vários anos. Escrever como um louco...

Ou talvez comece a correr como um louco. Correr contra o tempo, na praça, na avenida, ao redor da lagoa, no meio do mato; e registrar tudo: quilômetros, batimentos cardíacos, tempo, rotas percorridas em mapa digital, etc.; feliz por correr como um jovem atleta e ser magro, esplendidamente magro – porque quando começar a correr terá emagrecido, com certeza: emagrecer é uma das regras básicas para se ter 40 anos: secar em prol da saúde e da beleza (o problema é que a beleza vai ficando cada vez mais difícil depois dos 40, isso é fato).

Quem sabe faça uma plástica? Sumir com as rugas, enganar o tempo (ou pelo menos achar que o está enganando).

Talvez compre um boné de marca famosa e o use virado para trás. Dizem que isso ajuda a rejuvenescer. E junto com o boné, uma bermuda de marca (que deixe aparecer pelo menos um terço da cueca de marca), uma camisa de marca e um tênis de marca, tudo muito jovial, viril. O efeito que isso causa é sensacional! E se chegar pilotando um carrão importado, então, nem se fala! Talvez compre também um cachorro gigante, de raça, talvez um Dogue alemão rajado, com a genitália bem grande, sacudo, para que a mulherada o associe ao dono e ache que ele também tem o dote avantajado, o dono...

Ramon está pensando nisso tudo enquanto se olha no espelho do guarda-roupa. Não sabe se aos 40 anos tomará decisões que mudarão sua vida. Só acha que se tiver que decidir alguma coisa desse tipo, o ideal é que seja agora. É o momento.

Talvez, a partir dos 40, ele seja mais tolerante com as pessoas. O que é que tem gostar de correr, fazer trilhas de bicicleta e usar artifícios variados para parecer mais jovem? Que mal há em usar boné virado para trás e ter um cachorro sacudo para exibir na avenida? Ele, Ramon, também não tem suas coisinhas, suas manias e obsessões? Com certeza não as acha ridículas, porque gosta delas. Cada um faz o que gosta. É isso. Talvez, aos 40, Ramon dedique-se mais tempo àquilo que gosta (“devagar, o tempo transforma tudo em tempo”, escreveu um poeta)... E seja mais tolerante com os outros... Está pensando nisso agora... E talvez emagreça um pouco, para ter mais disposição, mais saúde...

É isso aí, Ramon.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 26/06/2014
Código do texto: T4859023
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.