Barba Anorexa
Lembro-me bem, talvez não tão bem assim, mas com alguma propriedade, de quando meu bigode começou a crescer. Aqueles primeiros pelos de barba de adolescente, que preguiçosamente iam aparecendo pelo meu rosto, lá nos meus 16 anos. Eram horrendos.
Chegada a hora, iniciei meu combate contra eles. Comprei o gilete, o creme de barbear e o pós-barba, a fim de que meu pai pudesse me passar todo o seu conhecimento sobre a remoção destes infames pelos.
Saí-me bem nesta tarefa. Por muito tempo sequer me cortei ao “fazer a barba”, e disto me orgulhava, considerando a frequencia com que o meu pai, com muito mais experiencia, se cortava.
Contudo, o panorama mudou. Os 16 anos se foram e agora essa atividade de fazer a barba torna-se semanal, diária, contínua. Talvez justamente aí more o problema.
Talvez não, talvez eu só queira mudar, a verdade é, simplesmente, que eu quero agora ter uma barba! Uma barba farta, que permita-me brincar com desenhos e formas e modifique substancialmente a minha aparência.
Mas infelizmente, não consigo. Minha “barba” mal cresce e quando cresce o faz de uma maneira totalmente assimétrica e recortada, me deixando mais com cara de bicho do que de gente. Tão horrível quanto à sombra do bigode dos meus 16 anos, todavia mais espessa. Digamos que isso me irrita, bastante.
Simplesmente não posso permitir que ela se desenvolva ao seu bel prazer. Contudo, a mesma não permite que eu influa em seu caminho, e a situação se torna um impasse.
Nem cresce, nem pode crescer. Não desse jeito, com um tufo abaixo do queixo, uma costeleta do Elvis na bochecha e um bigode de Antonio Banderas falsificado.
Então, a contragosto, tenho feito a barba sempre que a mesma cresce demais. Isso, claro, se a preguiça permitir.
Mas posso dizer que estupefei-me de raiva, ódio e incoformismo em uma ocasião diversa, que fez-me perceber como a minha barba cresce lentamente.
Acontece que eu encontrei determinado garoto, um dia, na fila do mercado. Esse garoto, lá na época que eu tinha meus 16 anos, estudava no mesmo colégio que eu, mas acredito que estava umas três ou quatro séries abaixo de mim.
Ele deve ser quatro anos mais novo que eu.
Mas tem uma barba enorme. Vistosa. Daquelas que para manter aparada é necessária uma intervenção diária.
Já a minha... completamente anorexa.