LEMBRANÇA XIII

Ainda lembro-me perfeitamente que até os anos cinquenta e sessenta do século, aliás do milênio passado, o uso da gravata e do paletó era obrigatório em quase todos os locais de trabalho e de diversão como cinemas e teatros, assim como nas igrejas.

Nos convites para quaisquer eventos, constava sempre a observação: Traje – Passeio (nesse caso sem a obrigatoriedade da gravata) ou Passeio Formal (com a obrigação da gravata e sapato fechado).

O homem que não tivesse pelo menos um terno, não poderia sequer pensar em arranjar emprego.

Para suprir a demanda havia o alfaiate, que era o profissional especializado na confecção das roupas masculinas porque, ainda não haviam inventado as produções em série nos tamanhos P,M,G,XG onde é problema seu, se a roupa for confortável e ajustada ao seu corpo.

Eram muitas as alfaiatarias, tanto no centro da cidade como nos bairros nobres ou populares.

Os meus primeiros ternos foram feitos pelo mesmo alfaiate que fabricava as roupas do meu pai e da maioria dos seus colegas de trabalho, o senhor Amaro, exímio artífice, com enorme clientela e cuja oficina era instalada na parte da frente da casa em que morava, com sua numerosa família, na Rua Jerônimo Vilela, 365 no bairro de Campo Grande, no Recife, aonde ele trabalhava com uma grande e afiadíssima tesoura e o ferro de passar, aquecido a carvão, para alisar os tecidos sobre uma almofada pesada e dura, numa jornada de trabalho com mais de doze horas por dia, junto com seus três auxiliares.

Muitas vezes os tecidos eram fornecidos pelo próprio alfaiate, que os comprava de acordo com os gostos dos clientes, que ele conhecia de longas datas e com os quais mantinha relação de amizade, com muitas horas de conversas, além do contato profissional.

Além da casimira inglesa, da sarja, do linho havia também o tecido de algodão com a trama em diagonal produzido pelo Cotonifício da Torre, do Recife, que era o preferido pela maioria da clientela por ser tão confortável quanto o linho, para a região com temperatura média anual em torno dos 27ºC, e por preço bem menor.

Os paletós eram praticamente moldados no corpo durante as provas (mínimo duas) e lembro-me perfeitamente de ter ficado, juntamente com outros clientes, por horas seguidas conversando e apreciando o trabalho meticuloso daqueles artistas da confecção, toda vez em que fui experimentar ou buscar a roupa pronta.

Um desses senhores, cujo nome está apagado da minha memória, era gordo, careca e usava muletas para se locomover.

Ele era o encarregado de pregar os botões e de fazer as casas, milimetricamente perfeitas, nas braguilhas, bolsos e cós das calças; dos coletes e dos paletós que, além dos três a cinco botões sem serventia nos punhos, poderiam ser de abotoamento simples com um, dois ou três botões, bem maiores que os do punho, ou os do modelo jaquetão, com seis botões externos e mais um interno para manter o ajuste do traspasse dos lados, esquerdo sobre direito.

Tudo feito à mão, com agulha pequena e dedal de metal sem o fundo, porque ainda não tinham inventado a máquina de casear.

Dos meus ternos daquela época, sinto a falta de dois. Um cinza chumbo com riscos verticais, brancos e fininhos, no tecido apelidado de - risco de giz – e de outro azul marinho com pintinhas prateadas, apelidado de – essa noite choveu prata – em alusão ao monólogo de mesmo nome do ator, diretor e dramaturgo brasileiro Procópio Ferreira, ambos forrados de seda e de caimentos perfeitos.

Foi também o senhor Amaro alfaiate quem costurou o meu primeiro smoking, para ser usado nas grandes solenidades, com direito à faixa de seda nas pernas da calça e gravata Black Tie com dois rabinhos sobre o peito engomado da camisa branca...

Mas as lojas do centro começaram a vender as roupas feitas em larga escala, com preços bem menores que os dos alfaiates, e muitos desses profissionais tiveram que fechar suas oficinas e arranjar emprego nas lojas para fazer os ajustes necessários das roupas PMG, produzidas em série.

Apesar da praticidade das roupas prontas, nunca mais encontrei roupas, principalmente os ternos, que me vestissem tão bem quanto os que foram produzidos, sob medida, pelo senhor Amaro Alfaiate e sua equipe de artistas da costura.